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Plataforma Povos: a cartografia social insurgente como instrumento de defesa dos territórios tradicionais

  • Foto do escritor: Débora Monteiro
    Débora Monteiro
  • 23 de jun.
  • 7 min de leitura

Atualizado: 27 de jun.

O Projeto Povos já concluiu o georreferenciamento de 7.546 elementos cartográficos com a participação ativa de mais de 850 representantes das comunidades, resultando na elaboração de mais de 200 mapas e 10 publicações.  

Fabiana Miranda, coordenadora de Gestão Territorializada do OTSS
Fabiana Miranda, coordenadora de Gestão Territorializada do OTSS

Fabiana Miranda, coordenadora de Gestão Territorializada do OTSS, destaca o desenvolvimento da Plataforma Povos como ferramenta essencial para potencializar a divulgação dos resultados do Projeto Povos.


Com execução da Fiotec, por meio do Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS), uma parceria entre a Fiocruz e o Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT), o Projeto Povos é uma medida de mitigação exigida pelo IBAMA no âmbito do licenciamento ambiental federal da atividade de produção de petróleo e gás da Petrobras no Polo Pré-Sal. Participam também do projeto, como parceiros, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), a Coordenação Nacional de Comunidades Tradicionais Caiçaras (CNCTC) e a Comissão Guarani Yvyrupá (CGY), principal entidade de representação dos povos Guarani no sul e sudeste do Brasil. 

 

Quais as expectativas com a fase dois do Projeto Povos, que irá caracterizar até o ano de 2029 mais de cem territórios caiçaras, indígenas e quilombolas localizados em Mangaratiba e Ilha Grande, no litoral sul do Rio de Janeiro; e em Caraguatatuba, São Sebastião e Ilhabela, no litoral norte de São Paulo. 


Fabiana Miranda – O Projeto Povos tem como principal característica a viabilização dos dados com os mapas a partir de um processo com muita profundidade para as pessoas se reconectarem com suas identidades, suas ancestralidades, vivenciando a troca de saberes entre os mais velhos e os mais novos, as oficinas, as oportunidades de reconhecimento dos territórios, os diálogos que oportunizam lembrar dados e histórias antigas, retomar práticas como um todo.  


Ou seja, nós experimentamos esse processo mais subjetivo, de valorização de cada indivíduo, e temos os resultados concretos para os territórios, como importante ferramenta de luta dentro dos processos judiciais, administrativos, junto aos órgãos de Estado... A demarcação, a titulação, o TAUS (Termo de Autorização de Uso Sustentável), o próprio entendimento do Estado em relação aos modos de vida das pessoas.  


Como parte do trabalho realizado pelas equipes do Projeto nós criamos a Plataforma Povos, que está ainda em construção porque deve ganhar a interatividade e a sensibilidade que existem nas nossas ações. Após a conclusão da primeira fase do Povos nós lançamos essa iniciativa, e agora pensamos a ampliação da proposta com o andamento da fase dois. Por isso queremos ver as pessoas se apropriando dessa ferramenta essencial em vários aspectos. 

 

Fiocruz e o Fórum de Comunidades Tradicionais têm levantado, por meio do OTSS, uma série de dados preciosos sobre as comunidades tradicionais com as quais atua no litoral sul do RJ e litoral norte de São Paulo. Em que medida a Plataforma Povos disponibiliza hoje essas informações? 


Fabiana Miranda – A Plataforma Povos é muito diferente das plataformas que já existem, como por exemplo a plataforma nacional de povos e comunidades tradicionais, consolidada via Ministério Público Federal: ela é uma plataforma de geolocalização, enquanto a nossa é uma plataforma de monitoramento. Temos que ressaltar que a Plataforma Povos é viva! Justamente por causa da diversidade de dados e das características que garantem acessibilidade e inclusão, trabalhando com diversas linguagens: da cartografia, entram os ícones; da linguagem dos textos tem as publicações e descrições de cada comunidade; da linguagem visual tem as fotos e os vídeos; da memória, tem a oralidade. Pensamos dessa maneira porque nossa intenção é a que a Plataforma não seja somente para os órgãos, a academia. Queremos que promova principalmente a gestão territorial dos próprios autores, dos comunitários e das comunitárias do território. Ter a diversidade de linguagens é muito importante, assim cada um consegue absorver os usos de cada linguagem.  

 

Uma das novidades do Projeto Povos são as oficinas de autocartografia. Podemos esperar que, no futuro, as próprias comunidades possam subir seus dados diretamente para a plataforma?  


Fabiana Miranda – Essa é a continuidade da caracterização já realizada entre 2019 e 2024 junto a outras 98 comunidades tradicionais situadas em Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba. E agora nós trabalhamos também com a formação dos pesquisadores autocartografantes. Em relação à Plataforma Povos, a ideia é que o tempo de atualização dos dados tenha mais dinamismo e as pessoas que acessam o sistema possam atualizar os dados, garantindo o retrato do presente.  


Enquanto mapas oficiais mostram as comunidades e transformam a comunidade em um ponto, a nossa plataforma divulga informações do momento presente, mantendo um caráter histórico. Não é só o mapa pelo mapa, tudo que está ali vem carregado de uma narrativa, vem carregado de uma contextualização. É praticamente um registro de batismo para poder provar a ocupação histórica.  


E em que medida essas informações podem auxiliar as comunidades no caso extremo de um desastre, por exemplo? Isso tem a ver com empoderamento digital, otimizar a familiaridade com a plataforma. Em Ubatumirim tivemos alguns casos em que foi utilizado o Povos para reverter processos de judicialização em comunidades. O Povos em Ubatuba é referência nessa questão das tecnologias sociais, em especial as roças: as pessoas produzem há muito anos, comercializam interna e externamente, vivem as roças. Desde os mais jovens até os mais velhos, assumiram as feiras, construíram suas casas, vivem a partir da roça. Não é só para subsistência. Comunitários e comunitárias de Ubatuba tem uma força de trabalho historicamente importante vinculada às roças, que são o modo de vida. 


Porém, a roças estão sobrepostas pelo Parque Estadual Serra do Mar. O Parque tem menos de 100 anos e sobrepôs as roças, que estão ali há mais de três séculos. Isso acaba gerando um processo contínuo de criminalização. 


Há pouco tempo as pessoas estavam abrindo roça, a polícia ambiental chegou e foi truculenta. Elas receberam multa, várias violações. Isso ocorreu após a conclusão do Povos em Ubatumirim, e a fase um coincidiu com o momento da pandemia de Covid-19. Mesmo com os limites de convivência impostos pelo distanciamento social, tivemos resultados super importantes. O que nos anima a esperar que na fase dois produziremos resultamos mais complexos e mais completos. do que na época da fase 1. 


Pois no caso de Ubatumirim houve uma movimentação dentro do Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT) para denunciar e elaborar estratégias de como poderiam resolver. Agora estávamos trabalhando na descriminalização, conseguiram um termo de plantio, foi revertida a multa, a polícia está sendo investigada pelo ato de violência. Ubatumirim conseguir o termo para fazer a coivara, a roça tradicional, está refletindo em outros âmbitos, incidindo no diálogo junto à Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo para ajustar a legislação. Isso mostra a importância das camadas das coisas.  


Como esse termo sobrepõe parques nas estancias estadual e federal, está sendo referência. São Paulo se baseava no Sistema de Cadastro do Ambiental Rural (CAR). Atualmente estamos perto de conquistar a obrigatoriedade de utilizar a Plataforma Povos como base para os procedimentos burocráticos. 

 

A Plataforma Povos tem grande potencial como legado do Projeto Povos? 


Fabiana Miranda – As informações da Plataforma Povos têm a ver com a ocupação história por aqueles povos tradicionais, assegurando direitos perante dano, impacto ou violação. O mapa na Plataforma, com a documentação escrita, carregada de uma narrativa e contextualização inerente aos relatórios e às publicações do Povos, é imprescindível porque tudo isso não aparece nos mapas oficiais. Nos casos de algum crime ou tragédia, seja por questões climáticas ou por situações como um derramamento de petróleo, a comunidade tem um mínimo de voz graças aos dados do Povos para dialogar com os órgãos de justiça para buscar o que é direito. 


Se trabalhássemos de fato com medidas preventivas, se tivéssemos um projeto sério de ordenamento territorial, de planejamento territorial pelo Estado, pelos municípios, poderíamos sobrepor shapes de áreas de risco, áreas que tem probabilidade de acontecer determinadas coisas, para repensar estratégias de pontos de acolhimento, ter sedes que possam acolher com cuidado, repensar alguma forma de ocupação dentro da realidade que a comunidade já vive. A Plataforma Povos é muito importante para os Planos: plano diretor, lei de uso e ocupação de solo, zoneamento econômico GERCO, plano de gerenciamento de gestão de resíduo, saneamento, plano municipal de saúde, plano de mobilidade, plano de gestão de riscos.  


É fundamental que as prefeituras não partam do zero. E com o Projeto Povos não dá para negar que é possível fazer um planejamento territorial inclusivo. A plataforma online garante que os fatos estejam aí, e as defesas ficam incontestáveis. 

 

Uma questão sensível para as comunidades tradicionais é a soberania dos dados levantados em seus territórios. Qual a posição do OTSS em relação a esse tema?  


Fabiana Miranda – Quem constrói os dados disponibilizados na Plataforma Povos são os comunitários. No Projeto Povos tudo validado em 4 etapas, e o que está divulgado nas publicações impressas e no ambiente digital foi autorizado pelas pessoas que atuaram em todas as ações. 


Nosso trabalho tem como pilar a cartografia social insurgente. Entendemos ser fundamental que as cartografias produzidas por povos e comunidades tradicionais e comunidades periféricas de favelas resultem em mapas insurgentes, que por precisam estar dentro de uma rede e, por sua vez, se comunicarem. Porque qualquer ação que envolva tanto povos e comunidades tradicionais, como povos em situação de outras vulnerabilidades ou violações de direito, afeta todo mundo. Inclusive para que se construa políticas públicas que possam fortalecer de fato esse território, esses povos, é fundamental que essas cartografias se comuniquem, se integrem, se conversem.  


Quando abrimos a plataforma nacional no início do ano passado e olhamos pro nosso território, no bioma Mata Atlântica, encontramos mapeadas 18 comunidades. Sabemos que estão construindo o sistema, mas naquele momento o OTSS tinha o mapeamento extremamente detalhado de 98 comunidades.  


Passamos dois anos em diálogo e conseguimos subir os nossos dados. É preciso compreender que existe legitimidade dos dados: saímos do cenário de 18 comunidades para as pessoas olharem como na região de Paraty, Ubatuba e Angra dos Reis está cheio de pontinhos lá no mapa. Queremos criar estratégias de fortalecimento das defesas dos territórios tradicionais. 

 

E como vê as possibilidades práticas de aplicação da plataforma para pesquisadores e formuladores de políticas públicas que atuam hoje junto ao território, por exemplo? 


Fabiana Miranda – Os órgãos tem a possibilidade de utilizar a Plataforma para pensar processos de gestão e planejamento. Não só a prefeitura, mas os próprios conselhos podem olhar o território fazendo os filtros na Plataforma, a partir da temática, por exemplos. Se a pessoa ocupa uma função no conselho de segurança alimentar, via CAR, ou se trabalha o PNAE, a merenda escolar, ela pode escolher os filtros da ferramenta online e mapear dados preciosos para o planejamento ou desenvolvimento e execução de atividades. A Secretaria de Turismo de uma das cidades pode compreender o cenário de TBC, por exemplo.  


A Plataforma contribui para pensar políticas públicas de maneira territorializada e mais próxima do território. A riqueza de informações para os gestores é muito potente. Isso não existe sistematizado em lugar nenhum, envolvendo diversas temáticas.  


Na plataforma é possível fazer o recorte para saber quantas roças tem em São Gonçalo, no município de Paraty, ou o que produzem lá. Será que tem TBC? Com os filtros você pode selecionar o mapeamento dos dados.  


Além disso, a plataforma salvaguarda os patrimônios. Queremos encontrar comunitárias e comunitários que tenham facilidade com tecnologias e queiram ser os interlocutores e articuladores para serem guardiões da cartografia, desse trabalho de mapeamento, georreferenciamento, inclusão das informações na Plataforma Povos. Estamos estudando como receber esses dados e validá-los para que seja incluído dessa maneira orgânica. 

 

Pode nos contar um pouco mais sobre os próximos passos? 


Fabiana Miranda – A longo prazo posso dizer que nosso objetivo é transformar a Plataforma Povos na “plataforma Observatório”. Iremos abraças todas as frentes do OTSS, as tecnologias sociais e ancestrais.  


No momento estamos fazendo o diagnóstico dos dados e informações, pesquisando um ambiente que possa dialogar com isso para aprimorar os instrumentos de defesa dos territórios. Também estamos montando uma nova proposta referente ao maretório, que precisa ser mapeado e georreferenciado. E pretendemos lançar nosso novo site em breve. Há muitas novidades pela frente! 


Acesse a Plataforma Povos: https://plataformapovos.org/


***

Reportagem: Débora Nobre Monteiro


 
 
 

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