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Turismo de Base Comunitária e Turismo Predatório: quais as diferenças e impactos nas comunidades tradicionais?

  • Foto do escritor: Caroline Nunes
    Caroline Nunes
  • há 3 horas
  • 5 min de leitura

“O Turismo de Base Comunitária traz autonomia: a comunidade é patroa do seu próprio negócio”, destaca Daniele Elias


Imagem mostra Daniele Elias, uma mulher negra sorrindo, carregando no braço direito uma peneira de palha com grãos de milho. Daniele utiliza o cabelo solto e veste uma camiseta da Rede Nhandereko, de Turismo de Base Comunitária.
Daniele Elias, presidente da Associação de Moradores do Quilombo do Campinho (AMOQC), coordenadora da Rede Nhandereko e militante do Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT) | Créditos: OTSS

O Turismo de Base Comunitária (TBC) gera impacto econômico importante na economia brasileira, segundo informações do Ministério do Turismo. Embora seja difícil encontrar dados específicos e detalhados sobre essa atividade, o setor de turismo tem desempenho expressivo no País: movimentou cerca de R$ 20,5 bilhões em janeiro de 2025, um recorde histórico. O Ministério acredita que 22% dessa receita esteja relacionada ao Turismo de Base Comunitária. 


No entanto, ainda há um desafio para as comunidades tradicionais: competir com o turismo tradicional, chamado também de “Turismo Predatório”. Daniele Elias Santos, presidente da Associação de Moradores do Quilombo do Campinho (AMOQC), coordenadora da Rede Nhandereko e militante do Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT), compartilha sua visão sobre o papel do Turismo de Base Comunitária na valorização e proteção das comunidades caiçaras, quilombolas e indígenas. Ela explica que esse modelo de turismo coloca as próprias comunidades no centro do processo, promovendo autonomia, geração de renda e a preservação de saberes e costumes locais. 


Em uma conversa com o Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS), uma parceria entre o FCT e a Fiocruz, Daniele reforça a importância do turismo responsável, sustentável e que respeite a cultura e o território das comunidades tradicionais. Leia a seguir a entrevista na íntegra.


OTSS: Qual é a principal diferença entre o Turismo de Base Comunitária e o Turismo Predatório?


Daniele: A principal diferença entre turismo de base comunitária e turismo predatório é que o turismo de base comunitária é um turismo em que se tem o protagonismo das pessoas que vivem na comunidade, das pessoas que são nascidas e criadas naquele território, trazendo a sua história, a sua cultura, sua resistência, seu modo de vida, como agricultura, pesca artesanal, agroecologia, gastronomia… O seu saber local, que é passado de geração em geração. E a gente mostra para quem está vindo nos visitar toda a nossa história e esse saber, preservando a natureza, cuidando do meio ambiente e dos nossos costumes. 


Já o turismo predatório é um turismo que chega, impacta negativamente o nosso território, o nosso modo de viver, o nosso modo de ser, não respeita a comunidade, traz droga, lixo… Essa é a principal diferença entre o turismo de base comunitária e o turismo predatório. Um é aquele que cuida, que preserva, que faz a manutenção do território, e outro é aquele que vem avassalador, retirando tudo que pode, sem se incomodar com os princípios e com os valores no território.

OTSS: Como o Turismo de Base Comunitária contribui para o desenvolvimento sustentável das comunidades tradicionais?


Daniele: Trazendo a autonomia. A comunidade tem autonomia para tocar o turismo de base comunitária no seu território, sendo patroa do seu próprio negócio, gerando trabalho, renda, fortalecendo a organização comunitária, a gestão coletiva e garantindo a manutenção dos nossos saberes. 


OTSS: Quais são os principais benefícios do Turismo de Base Comunitária para as comunidades caiçaras, quilombolas e indígenas, pensando no aspecto da saúde dos territórios?


Daniele: Em relação à saúde, o turismo de base comunitária contribui positivamente.


Pensa comigo: no mercado de trabalho, quando você sai do seu território para ficar oito, dez horas fora, você não está repassando a cultura, a história, ou fazendo a manutenção disso tudo para as novas gerações. Você fica muitas horas fora do seu território, abrindo guarda, inclusive, para especulação imobiliária, para a apropriação do seu território. 

Então, a gente entende que o fato de você desenvolver o turismo de base comunitária dentro do seu território traz qualidade de vida, traz o bem-viver, traz a manutenção desse saber. A gente está entre os nossos, crescendo junto. Então, com certeza, o fato de a gente estar no nosso território trabalhando saudável faz com que o turismo de base comunitária promova essa saúde física e mental e o bem viver para as pessoas que participam desse trabalho.


OTSS: Quais são os principais desafios enfrentados pelas comunidades tradicionais ao implementar o Turismo de Base Comunitária?


Daniele: Falta de apoio do poder público. Por exemplo: é necessário melhorar, muitas vezes, algum acesso à comunidade ou alguma trilha, manter um ambiente limpo, etc. Infelizmente, a gente não tem muita contribuição do poder público. Nem todas as políticas públicas chegam até nós, e isso dificulta o desenvolvimento do turismo de base comunitária no território.  


E também há uma dificuldade dentro dos territórios que não têm as organizações comunitárias fortalecidas, como associações, coletivos.


Para o turismo de base comunitária, a organização comunitária precisa estar forte, firme, coesa. 

OTSS: Como funciona a participação da comunidade para o TBC?


Daniele: A participação da comunidade é total! Desde o início, do primeiro contato que a pessoa do agendamento tem com a agência – que vai trazer os grupos –, até o momento em que os visitantes vão embora. 


A pessoa que faz o agendamento faz o primeiro contato. Quando o grupo chega no território, tem ali os guias para receber esse grupo, os responsáveis pelas oficinas. Então, a participação é do início até o final, inclusive na discussão da gestão dos recursos que ficam no território, para onde eles vão, e como eles serão gastos. 


O território participa 100%, direta ou indiretamente. Tem aqueles que trabalham como guias, griôs, palestrantes… Pessoas que atuam na gastronomia, nas oficinas, na limpeza da comunidade. Assim também como indiretamente, por exemplo, trabalham os agricultores, que produzem seus produtos e comercializam para o restaurante. O restaurante em si, que vai comercializar a comida e colocar na mesa uma alimentação de qualidade.


A participação da comunidade se dá em vários aspectos e é fundamental para que o TBC funcione. É o que promovemos na Rede Nhandereko.

OTSS: E quais são os roteiros disponíveis na Rede Nhandereko atualmente? Há planos de ampliar o número de roteiros?


Daniele: A Central de Turismo de Base Comunitária, hoje, dispõe de cinco roteiros consolidados na Rede Nhandereko: o roteiro “Do Mar ao Sertão”, na Comunidade Caiçara de São Gonçalo [RJ]; o Quilombo do Campinho [RJ]; o Quilombo da Fazenda [SP]; a Comunidade Caiçara de Trindade [RJ]; e a Aldeia Boa Vista, em Ubatuba [SP]. 


A Rede Nhandereko está em processo de fortalecimento. Então, até 2026, a gente imagina que deva entrar mais alguns roteiros para se comercializar na Central.


OTSS: Quais os planos de futuro para o TBC no Quilombo do Campinho, a curto, médio e longo prazo?


A curto prazo é que a gente possa cada vez mais conseguir gerar trabalho e renda na comunidade, porque ainda se faz necessário. A gente já consegue, muitas pessoas trabalham no território, mas a gente precisa de mais: mais campos de trabalho a partir do turismo de base comunitária. 


E a médio e longo prazo é que a gente possa cada vez mais atingir um público que a gente hoje não consegue ainda acessar, como o público estrangeiro.


Que o nosso roteiro possa estar com grande visibilidade no Brasil e no mundo, fazendo a nossa voz ecoar cada vez mais alto e mais forte, mostrando a nossa luta, a nossa permanência no território, e o nosso modo de vida.

Por Caroline Nunes



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