Coletivo de Educação Diferenciada de Paraty realiza Reunião Pública no Cine+ com autoridades, instituições parceiras e comunidades tradicionais
- Débora Monteiro
- 23 de jun.
- 7 min de leitura
Atualizado: 27 de jun.
No dia 18 de junho de 2025 o Cine+, em Paraty/RJ, recebeu audiência para consolidar compromissos do poder público com as pautas de luta da Educação Diferenciada, trabalho potente capitaneado pelo Coletivo de Apoio à Educação Diferenciada do FCT, com apoio de diversos parceiros, que marca avanços e reinvindicações de comunitárias e comunitários para garantir o direito das pessoas à Educação nas comunidades tradicionais indígenas, quilombolas e caiçaras do território. A atividade ocorreu por meio do Projeto Redes.

A Reunião Pública da Educação Diferenciada de Paraty foi organizada pelo Coletivo de Apoio à Educação Diferenciada do FCT do município, composto por lideranças de organizações sociais, do Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT) e das comunidades do território, além de professores e professoras da rede pública, e instituições parcerias como o Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS), a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Todas estiveram presentes com representantes na audiência pública, que reuniu também o prefeito de Paraty, Zezé Porto, autoridades da Câmara de Vereadores, do INEA, da Petrobrás, da Procuradoria, da Defensoria e comunitárias e comunitários de Trindade, Praia do Sono, Ponta Negra, Ponta da Juatinga, Saco Claro, Saco da Sardinha, Mamanguá, Ponta Grossa, Praia Grande, Taquari, Tarituba, São Gonçalo, Aldeia Araponga, Quilombo do Campinho, entre outras. Importante destacar que o encontro ocorreu por meio de uma ação do Projeto Redes e marcou os 10 anos de luta e avanços do coletivo.
“O coletivo construiu a pauta para essa reunião e vem dialogando com a nova gestão da prefeitura desde o início do ano. Nós percebemos a necessidade de apresentar o nosso trabalho e as demandas das comunidades em relação à Educação no município de Paraty, que enfrenta diferentes desafios”, explicou Indira Alves França, coordenadora da Gestão de Saberes do OTSS e uma das coordenadoras pedagógicas do Projeto Redes. “Avalio que o diálogo foi muito bom nesse encontro, foi possível apresentar para a nova gestão (tanto do poder executivo, quanto do legislativo) e outras representações presentes, como o Conselho Municipal de Educação e a Defensoria Pública, a luta do FCT pela Educação Diferenciada".
As falas foram essenciais para ampliar o trabalho realizado há décadas. A professora Iaci Sagnori saudou o legado da Mestra Laura Santos e lembrou seus ensinamentos: a cabeça pensa onde o pé pisa. “A gente constrói o conhecimento a partir do território onde estamos. O FCT adotou a expressão Educação Diferenciada para representar a dimensão da educação de geração em geração, os modos de ser e fazer e a construção do currículo a partir dos saberes tradicionais, sem deixar de lado os conhecimentos fundamentais da escola formal, como a BNCC”, afirmou Iaci.
A parceria com o Programa “Escolas do Território” do Instituto de Educação de Angra dos Reis da UFF também foi celebrada. O professor Domingos Barros Nobre falou em nome do programa e destacou a atuação viabilizada pelo acordo de cooperação técnica com as secretarias de educação dos municípios de Paraty e de Angra dos Reis. “Colaboramos para implementar um programa de formação continuada junto a professores com reorientação curricular, para construir um currículo que consiga atender ao projeto pedagógico de cada comunidade”.
“Temos atuado com comunidades indígenas e estamos celebrando a formatura em julho deste ano da primeira turma do ensino médio com habilitação em magistério indígena na Aldeia Sapukai. Essa iniciativa é fruto de um acordo de cooperação técnica entre a UFF e a Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro”, Domingos Barros Nobre, professor da UFF.
Para Jardson dos Santos, caiçara da Praia do Sono e pesquisador do Projeto Povos, a Educação Diferenciada é um guarda-chuva das diversas políticas públicas. “Nós precisamos entender esse contexto de sociedade, de mundo, e obviamente ir pautando as políticas públicas do território”, reforçou. “É importante frisar que o coletivo de Educação Diferenciada de Paraty foi o primeiro que criamos, quando em 2014 iniciamos uma grande articulação com instituições, lideranças, professoras, professores, pais e mães, e tivemos muitas conversas para assim nascer o coletivo”.
“A intenção do coletivo de Educação Diferenciada de Paraty é trabalhar a pauta específica da Educação Diferenciada com articulação entre as relações institucional, jurídica e popular”, Jardson dos Santos, caiçara da Praia do Sono e pesquisador do Projeto Povos.
Avanços e compromissos
O coletivo tem comemorado grandes conquistas, como no ano de 2015, ocasião em que foram implementadas as primeiras escolas com Ensino Fundamental 2 no Pouso da Cajaíba e na Praia do Sono. Francisco Xavier, conhecido como Ticote, celebra o trabalho desenvolvido em união com a gestão municipal e o OTSS/Fiocruz, o FCT, a UFF, a UFRJ e outras instituições que apoiam as causas. “Conquistar o ensino fundamental para as comunidades tradicionais foi luta, eu comecei em 2004 defendendo essa luta. Hoje pensamos o que pode ser melhorado a partir do que conquistamos, queremos o ensino médio nas comunidades, lutamos pelos nossos direitos”, pontuou ao falar na reunião pública.
Para Lício Monteiro, professor da UFRJ e coordenador do Programa Raízes e Frutos, a demanda do ensino médio precisa ser debatida com prontidão, pois muitos jovens estão enfrentando o desafio de ter que estudar na cidade. "Sempre contribuímos com o coletivo de Educação Diferenciada e estamos disponíveis para compor o debate e a continuidade do trabalho formativo com as instituições parceiras", sinalizou.
O trabalho segue nos desdobramentos junto aos órgãos e nas ações para superar os desafios marcados nos depoimentos, como a atenção às escolas da costeira e o direito das crianças e jovens à Educação.
O prefeito Zezé Porto garantiu na reunião que abraça a ideia da Educação Diferenciada. "Precisamos pensar em uma série de questões, desde o transporte de estudantes até a retomada do projeto de levar as escolas para todos os cantos do município, porque acreditamos ser importante para crianças e jovens indígenas, quilombolas e caiçaras manter o modo de vida tradicionais”. Foi isso inclusive que levou à conquista do Título de Patrimônio Mundial pela UNESCO, lembrou o prefeito.
Representando a Secretaria Municipal de Educação (SME) a pedido da secretária Cássia Pacheco, o professor da Rede Municipal de Ensino de Paraty e atual coordenador no Núcleo de Formação da SME Rodrigo Jannotti do Nascimento declarou que se sentiu representado por muitas falas, sobretudo com cada representante das comunidades tradicionais "Foi muito significativo porque nasci e fui criado até a minha adolescência no Pouso da Cajaíba. A minha trajetória se assemelha com a de muitos caiçaras, que em outros tempos, e ainda hoje, saem de suas comunidades de forma precoce em busca de horizontes formativos e novas oportunidades". Para Rodrigo, as falas e posicionamentos foram muito positivos, pontuando as dificuldades e apontando caminhos possíveis, que poderão serem melhores debatidos em novos encontros.
Diálogo aberto
Ao longo de toda a manhã as pessoas tiveram a oportunidade de se manifestar publicamente e prestar depoimentos a respeito dos problemas que enfrentam no dia a dia. Também houve a apresentação do grupo de teatro do Quilombo do Campinho e a exibição do documentário “Carta das Comunidades Caiçaras da Cajaíba”, produzido pelo Folha do Litoral e Paraty.com base no texto da Carta das Comunidades Caiçaras, redigida por caiçaras com o apoio do Projeto Raízes e Frutos da UFRJ.
Representando as equipes de formação do Projeto Redes, a coordenadora do projeto, Aline Tavares, comentou como as ações da Rede de Formação Socioambiental são organizadas focando na potência da própria comunidade ensinar as pessoas. “Os educandos vão para as comunidades, aprendem os modos tradicionais, voltam para os cursos e ensinam os outros. Isso movimenta uma roda contínua, e acreditamos que temos muito a dialogar com o processo de formação dos professores para que se fortaleçam nos temas relacionados à Educação Diferenciada, com destaque para os modos de vida tradicionais”.
O vereador Vaguinho, presidente da Câmara, pediu atenção para que se implemente de fato uma política para Educação Diferenciada no território tradicional de Paraty. “Para assumirmos compromissos essenciais para as comunidades tradicionais nós precisamos atender as demandas da base, precisamos pautar temas e projetos que melhorem o cotidiano de estudantes nas diversas escolas daqui do continente e na costeira”.
Ana Paula Serpa, presidente do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente (CMDCA), denunciou como infelizmente as crianças sofrem repetidas violações de direito. “Atualmente as crianças que moram nas ilhas estão apontando a questão da falta de transporte para que frequentem as escolas. Há muitos casos de impedimento para que estudantes frequentem a escola”. Para ela, a Educação Diferenciada oportuniza ao estudante se formar para além do currículo escolar, fundamentando o fortalecimento identitário local.
“O entendimento sobre si e sobre o mundo é o entendimento sobre o seu território e suas culturas. Priorizar a permanência da própria cultura mantém a sensibilidade da formação humana, o respeito aos saberes locais, currículo contextualizado, respeito à realidade concreta do estudante, superação do colonialismo, educação como prática libertadora, a participação ativa da comunidade, são fundamentais à Educação Diferenciada. Tudo isso vem do que Paulo Freire nos ensina”, Ana Paula Serpa, presidente do CMDCA.
O procurador Sergio Muniz de Melo disse que a Procuradoria Geral do Município tem se colocado em três direções a favor dos projetos que apoiam as comunidades tradicionais. “Primeiro, temos buscado recursos, uma ação proativa da procuradoria visando ampliar a captação e destinar valores para a educação. Segundo, estamos à disposição das secretarias e da comunidade para sanar qualquer dúvida jurídica. Por fim, apostamos no momento do diálogo, é uma característica que tem se consolidado, e estamos dispostos a participar junto às secretarias, às organizações, à sociedade civil”.
Para Mauriceia Pimenta, liderança de São Gonçalo e educadora do Projeto Redes, o momento é imprescindível para ampliar o debate. “Pensando em todas as comunidades que estão presentes nesta audiência, eu falo pelas mães: nós não precisamos sair dos nossos territórios para que nossos filhos estejam nas escolas”, disse depois de agradecer ao OTSS e ao FCT pela dedicação com o Redes, que consegue alcançar muitas famílias em outros espaços de formação.
“A educação não está apenas dentro do espaço escolar. Educação popular está pulsando no território. Sonhamos com a educação que alcance todas as idades, em especial as pessoas que tiveram seu processo formativo interrompido. As famílias querem se formar na escola. Por que não? Nossos mais velhos também querem estudar onde vivem”, Mauriceia Pimenta, liderança de São Gonçalo.
A Reunião Pública da Educação Diferencia de Paraty foi realizada no Cine+ pelo Projeto Redes, condicionante exigida à Petrobras pelo licenciamento ambiental federal, conduzido pelo Ibama, como política pública conquistada por comunidades tradicionais e pesqueiras impactadas por empreendimentos de petróleo e gás natural no litoral sul do Rio de Janeiro e litoral norte de São Paulo.
A execução do Projeto Redes é fruto de uma parceria com a Fiotec/Fiocruz por meio do Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS), do Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT), da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
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Reportagem: Débora Nobre Monteiro
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