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‘A Juçara é Nossa’: campanha valoriza a preservação ambiental e a soberania econômica das comunidades tradicionais

  • Caroline Nunes
  • há 6 minutos
  • 5 min de leitura

Mais que apenas um fruto, a juçara representa a ancestralidade das roças tradicionais e é ameaçada por grandes empresas que buscam sua exploração

Oficina de manejo da juçara no Quilombo do Campinho | Créditos: Vinícius Carvalho/OTSS
Oficina de manejo da juçara no Quilombo do Campinho | Créditos: Vinícius Carvalho/OTSS

Leva de oito a dez anos para atingir a maturidade. Produz um alimento saudável, que contribui para a preservação ambiental nas comunidades tradicionais. É usada para fazer sucos, doces, drinks, geleias e diversas receitas. Símbolo da tradicionalidade das roças quilombolas, caiçaras e indígenas, seu corte indiscriminado ameaça sua existência, colocando em risco toda a cadeia de uso sustentável. Todas essas características descrevem a juçara, fruto que tem sido motivo de luta para o Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT).


A campanha "A Juçara é Nossa" é um movimento de resistência e fortalecimento das comunidades tradicionais que vivem na Mata Atlântica, que busca valorizar a palmeira como símbolo de cultura, saúde e território. 

Daniele dos Santos, membro do Fórum de Comunidades Tradicionais e vice-presidente da Associação de Moradores do Quilombo do Campinho (AMOQC), avalia que a campanha é uma resposta à ameaça de apropriação da Juçara por grandes empresas, que atualmente investem na produção de palmito de forma industrial, muitas vezes ilegal e prejudicial às comunidades tradicionais. 


Para Daniele, a juçara não é uma mercadoria, mas uma parte da história, da cultura e da ancestralidade desses grupos, que há anos utilizam seus frutos e palmito de forma sustentável. 


“É muito fácil uma empresa vir e colher [juçara], ou comprar por um preço muito baixo. O que a gente está propondo com a campanha é uma disputa conceitual inclusive, do que a juçara representa para nós: ela não é apenas uma mercadoria. Ela pertence a esse povo que está cuidando, que está lutando, que está preservando o meio ambiente e também a cultura, a nossa história, os nossos ancestrais”, avalia. 


Vagner do Nascimento, coordenador-geral do FCT e do Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS) explica que o objetivo da campanha é retomar a rede de troca de conhecimentos e práticas sustentáveis que existiu entre diferentes regiões do Brasil, como Florianópolis, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro, e fortalecer o protagonismo das comunidades na defesa dos recursos naturais. 


“A campanha foi construída com a estratégia do Fórum [de Comunidades Tradicionais] de fortalecer a luta dos agricultores na defesa do território. Uma das práticas mais destacadas dessa luta é a roça, ou seja: fortalecer a manutenção das roças tradicionais e a agroecologia”, enfatiza o coordenador.

Colheita de juçara | Créditos: Vinícius Carvalho/OTSS
Colheita de juçara | Créditos: Vinícius Carvalho/OTSS

Soberania econômica


Daniele dos Santos destaca que a despolpa, a colheita, as oficinas de manejo e todos os processos que envolvem a juçara viabilizam a comercialização do fruto, o que automaticamente contribui para a soberania das comunidades tradicionais, mesmo com algumas dificuldades.


“A polpa hoje custa, em média, R$ 40 o quilo. Logo, a venda contribui muito para que as pessoas possam viver no seu território e ganhar suas rendas dentro do próprio território. É toda uma cadeia, uma economia local que a gente vem trabalhando, e a juçara representa uma parcela importante dessa economia”, salienta Daniele.

Maurília Pimenta, caiçara e agricultora da comunidade de são Gonçalo (RJ) destaca que a juçara tem sido até inserida nos cardápios de merenda escolar, o que “valoriza o fruto e demonstra sua participação na alimentação das comunidades como um todo. Com isso, a produção feita pelas comunidades tem mais valor de mercado”, ressalta.


A campanha “A Juçara Nossa" é uma luta pelo desenvolvimento social, econômico e cultural das comunidades, que buscam manter vivos seus recursos naturais frente às ameaças do mercado e da exploração predatória, como afirma Luciano Marcel Corbellini, biólogo e assessor de Agroecologia do Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS).


Créditos: Felipe Scapino/OTSS

Segundo ele, o avanço do mercado de palmito, especialmente nas décadas de 1960 e 1970, trouxe desafios. A criminalização do corte da juçara e do palmito, associada à repressão e à entrada do turismo de massa, levou muitas comunidades a abandonarem suas práticas tradicionais, tornando-se marginalizadas e vulneráveis às redes ilegais de comercialização.


Essa situação se agravou com a oferta de dinheiro fácil por parte de intermediários, que incentivaram o corte predatório e a exploração econômica, muitas vezes vinculada a atividades ilícitas, de acordo com Luciano. 


“A campanha, portanto, reforça a importância de reconhecer a juçara como símbolo de resistência e soberania das comunidades tradicionais na Mata Atlântica neste contexto”, garante.

Juçara pós-colheita | Créditos: Vinícius Carvalho/OTSS
Juçara pós-colheita | Créditos: Vinícius Carvalho/OTSS

Aprendizado ancestral


“As comunidades tradicionais, desde sempre, conhecem bem a juçara… Como cuidar, como plantar, e qual a importância dessa fruta. Então, dizer que a juçara é nossa é afirmar tudo isso”, comenta Thiago Benites, indígena da Aldeia Sapukai (RJ).


A relação entre comunidades tradicionais e a planta juçara revela um rico legado de conhecimentos ancestrais que fortalecem a cultura local e promovem a sustentabilidade ambiental. Luciano Corbellini explica que a juçara é uma planta nativa que sempre fez parte do ambiente dessas comunidades indígenas, quilombolas e caiçaras. É reconhecida não só pela presença marcante na floresta, mas também pelo papel na alimentação, na medicina e na construção de moradias tradicionais.


O biólogo argumenta que a juçara era utilizada de diversas formas: o palmito, extraído de forma sustentável, servia de alimento e tinha propriedades medicinais, como cicatrizante e desintoxicante. Além disso, seu tronco era aproveitado na construção de casas e telhados, demonstrando uma relação de respeito e uso racional com a planta. 


“Essa conexão profunda reforça o sentimento de pertencimento. Afirmar que ‘A Juçara é Nossa’ reflete o conhecimento ancestral e a preservação cultural dessas comunidades”, pondera Luciano. 


Para o biólogo, hoje há uma retomada do reconhecimento do valor da juçara, especialmente na agricultura de base familiar e na agroecologia. Ele destaca que o cultivo da juçara deve ser integrado a sistemas agroflorestais, como o plantio junto a bananeiras, que oferecem sombra e umidade ideais para o seu crescimento. “Essa prática, além de promover a biodiversidade, resgata o saber ancestral de manejo sustentável, fortalecendo a relação entre comunidades e o meio ambiente”, completa.


Vagner do Nascimento destaca que o aprendizado ancestral com a juçara evidencia a importância de valorizar os conhecimentos tradicionais na conservação da Mata Atlântica e na promoção de uma agricultura sustentável. Resgatar essas práticas é fundamental para fortalecer a identidade cultural dessas comunidades e garantir a preservação de espécies nativas, promovendo um modelo de desenvolvimento que respeita o território e suas histórias. 


“Não vamos abrir mão da juçara. A juçara não é da burguesia, não é das grandes empresas. Não é dos mais ricos. A juçara é nossa, e vamos lutar por ela”, finaliza o coordenador do FCT e do OTSS.

Texto: Caroline Nunes | Revisão: Juliana Vilas


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