Alimentos tradicionais conquistam espaço nas escolas com a criação da Catrapovos
- Caroline Nunes

- 10 de set.
- 3 min de leitura
Iniciativa busca garantir soberania alimentar, valorizar saberes e levar comida de verdade aos colégios públicos de comunidades quilombolas, indígenas e caiçaras

No último dia 13 de agosto, o Instituto de Educação de Angra dos Reis da Universidade Federal Fluminense (IEAR/UFF), foi palco de um evento histórico: o lançamento da Comissão de Alimentos Tradicionais dos Povos - Catrapovos, Paraty e Angra (RJ). A iniciativa nasce para fortalecer a presença de alimentos tradicionais de comunidades indígenas, quilombolas e caiçaras nas escolas públicas, garantindo soberania alimentar, saúde e respeito às culturas ancestrais.
A Catrapovos é uma expansão da experiência pioneira da Catrapoa, criada no Amazonas pelo Ministério Público Federal (MPF) após denúncias de que a merenda escolar não refletia a cultura alimentar local.
“Não era permitido comprar das comunidades alimentos como peixe e farinha, base da alimentação amazônica”, relembra o procurador da República Fernando Merloto, que participou do evento em Angra dos Reis de maneira online.
“É fundamental garantir que as comunidades de Paraty e Angra consigam vender às escolas itens que fazem parte de sua cultura, como a juçara, a tainha, a farinha de mandioca, o cambuci e a banana”, complementa o procurador.
Comunidades como protagonistas
Segundo Fabiana Schneider, procuradora da República que atua no Rio de Janeiro, a relevância do projeto para as comunidades é imensurável. Ela destaca que a demanda veio da Incubadora de Tecnologias Sociais (ITS) e do Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT), e enfatiza a necessidade de olhar para a alimentação mantendo o protagonismo das comunidades.

“Essa comissão fecha várias pontas soltas a respeito da alimentação e da soberania das comunidades. Alimentação de qualidade, culturalmente orientada, reduz a corrupção. Assim, se ganha em todos os campos. Queremos sair daqui [da reunião] organizados para a ação, tirando dúvidas e chegando ao fim do ano com chamadas públicas e participação efetiva das comunidades”, diz a procuradora.
Além do MPF, lideranças comunitárias marcaram presença no lançamento. Marcos Vinícius, comunicador do Quilombo de Santa Rita do Bracuí (RJ) e coordenador do FCT, ressalta que a iniciativa é fruto de uma caminhada que começou há anos.
“A campanha ‘A Juçara é Nossa’ iniciou todo esse trabalho, que hoje nos permite discutir e planejar roças tradicionais e, consequentemente, a Catrapovos. Isso significa manter viva a nossa forma de troca. Muitos territórios não entregam pro PNAE [Programa Nacional de Alimentação Escolar], mas a Catrapovos vem com outro viés, permitindo ao caiçara, ao quilombola e ao indígena preparar e entregar seu próprio alimento para a merenda das crianças, que muitas vezes são das comunidades”, salienta.
Impacto
“A gente conseguir comida que está conectada à nossa cultura ancestral é afirmar a identidade dos territórios. É importante também a Catrapovos por esse envolvimento com a cultura e a comida de verdade”, destaca a caiçara e coordenadora do FCT, Paula Callegario, de Paraty (RJ).
Já o cacique Pedro, da aldeia Itaxi Mirim (RJ), reforça a importância da garantia de alimentos tradicionais nas escolas. Para a liderança indígena, o acesso à cultura alimentar deve ser prioridade para todos os territórios, “para as nossas crianças comerem comidas típicas culturais e que tenham qualidade. É importante que todos os servidores públicos valorizem a comida tradicional, a comida típica que vem da roça.”
A Comissão de Alimentos Tradicionais dos Povos (Catrapovos) é vinculada à 6ª Câmara do Ministério Público Federal. Sua missão é valorizar e proteger as culturas alimentares tradicionais, garantindo que alimentos produzidos localmente possam ser adquiridos pelas escolas públicas, especialmente via Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Na prática, isso significa que produtos como mandioca, peixe, juçara, frutas nativas e preparos tradicionais das comunidades passam a integrar o cardápio escolar, fortalecendo economias locais e levando às crianças uma alimentação mais saudável e identitária. De acordo com Sidélia Silva, coordenadora da Incubadora de Tecnologias Sociais (ITS) do OTSS, a comissão, portanto, possui papel estratégico.
“A Catrapovos nasce como um instrumento enraizado no FCT [Fórum de Comunidades Tradicionais]. Ao reconhecer os saberes ancestrais e fortalecer a defesa dos territórios, utilizando práticas tradicionais, como a agroecologia e a pesca artesanal, a comissão apoia e engaja as comunidades em processos de economia solidária, que atendem às demandas das escolas e geram renda”, finaliza.



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