Comunidade caiçara do Aventureiro conquista garantia do direito de construir moradias em território ancestral
- Juliana Vilas
- 19 de ago.
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Atualizado: 2 de out.
Parecer jurídico do INEA, que contou com apoio do FCT e da Fiocruz, por meio do OTSS, garante uso exclusivo das novas construções para membros da comunidade na Ilha Grande (RJ) e reforça a defesa do território e do modo de vida tradicionais

A comunidade caiçara da Praia do Aventureiro, na Ilha Grande (RJ), alcançou uma importante vitória. Após décadas de luta, o procurador do Instituto Estadual do Ambiente (INEA) assinou, em julho de 2025, um parecer jurídico que, ao reler e interpretar a Lei Estadual nº 6.793/2014, ressalta a possibilidade de construção de novas moradias no território tradicional caiçara. A regra para as Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS), um tipo de Unidade de Conservação (UC), determina que os imóveis novos sejam para uso exclusivo de moradores da comunidade tradicional.
O avanço foi resultado da união e articulação da comunidade, que contou com apoio do Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT) e da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), por meio do Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis (OTSS). “É muito bom saber que conseguimos incidir nos espaços e atingir nosso objetivo: ajustar o decreto de criação da RDS do Aventureiro. A comunidade está nessa luta há 10 anos e, com o nosso apoio, foi possível chegar mais longe. É uma vitória da comunidade caiçara do Aventureiro, e também do movimento social”, pontua Marcela Cananéa, coordenadora do FCT e do eixo Justiça Socioambiental do OTSS.
Contexto histórico da luta
A RDS do Aventureiro foi criada em 2014, sobrepondo-se ao território ancestral caiçara. Embora as Unidades de Conservação sejam essenciais para a preservação ambiental, o regramento da RDS não autoriza novas construções. Isso criou um impasse para famílias que, ao longo dos anos, cresceram e precisavam de mais espaço para filhos e netos, sem abrir mão do modo de vida tradicional.
O novo parecer do INEA reconhece que a proibição irrestrita de construções não pode violar os direitos culturais da comunidade tradicional caiçara, alinhando-se a uma recomendação feita pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE-RJ) em 2014.
Regras para novas construções
Até a conclusão do Plano de Manejo –atualmente em elaboração–, a Diretoria de Biodiversidade, Áreas Protegidas e Ecossistemas (Dirbape) deverá gerenciar os critérios para as obras, como: comprovar que a pessoa responsável pela construção é membro da comunidade tradicional e tem a posse do terreno; além de apresentar plano de tratamento de efluentes e destinação adequada de resíduos. É preciso emitir Certidão Ambiental após a conclusão da obra e garantir que o imóvel seja usado exclusivamente como moradia de pessoas da comunidade: é proibido vender ou alugar para gente de fora do território.
Ecologia de saberes e cartografia social como instrumentos de luta
A vitória jurídica é resultado de um processo de fortalecimento comunitário. Em maio, durante reunião do Conselho Deliberativo da RDSAV, a equipe do Projeto Povos apresentou o processo de cartografia social do território –uma ferramenta que valoriza saberes e referências territoriais e reforça o protagonismo das comunidades na gestão do espaço.
A comunidade, hoje, está concentrada na elaboração do Plano de Manejo da RDSAV, com o apoio do Projeto Redes, que realizou oficinas para a criação do Plano, e a Ação Formativa Agrupada (AFA) sobre o Contrato de Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU), importante instrumento de regularização fundiária previsto na lei que criou a RDSAV.
A AFA foi conduzida por Gisella Carnout, moradora do Aventureiro e educadora comunitária do Redes, e contou com a presença de advogados do FCT e do OTSS, representantes do Ministério Público, do INEA, de instituições parceiras e de lideranças caiçaras da Parnaioca. O debate girou em torno da defesa do território e dos direitos fundiários.
Formação para autonomia e justiça socioambiental
O Projeto Redes atua na formação socioambiental conectando temas do território a processos formativos, como visitas de convivência, oficinas e cursos. O alicerce do trabalho é a “atuação significativa das comunidades na gestão socioambiental do seu território”, como explica Indira Alves França, coordenadora do Núcleo de Gestão de Saberes do OTSS. “Por meio dos processos formativos, geramos subsídios para as comunidades incidirem politicamente e garantirem o direito de permanência no território. Vitórias como essa, na RDS do Aventureiro, mostram que estamos avançando na promoção da justiça socioambiental”.
Essa reinterpretação da lei que afeta a comunidade ancestral do Aventureiro reforça a importância da garantia de direitos dos territórios tradicionais e comprova que a gestão participativa e o diálogo entre saberes ancestrais e científicos são ferramentas poderosas para a promoção da justiça socioambiental.
📍 O que é o Projeto Povos?
Reivindicação histórica do Fórum de Comunidades Tradicionais (@forumdecomunidadestradicionais), a realização do Projeto Povos é uma medida de mitigação, exigida pelo IBAMA, no âmbito do licenciamento ambiental federal da atividade de produção de petróleo e gás da Petrobras no Polo Pré-Sal. Quem executa é o Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS), uma parceria entre o FCT e a Fundação Oswaldo Cruz (@oficialfiocruz) em parceria com a Conaq (@conaquilombos), CGY (@yvyrupa.cgy) e CNCTC.
👉 Sobre o Projeto Redes:
O Projeto Redes (novo nome do PEA Costa Verde) é uma condicionante imposta pelo licenciamento ambiental federal, conduzido pelo Ibama, da atividade de exploração de petróleo e gás natural da Petrobras na Bacia de Santos, sendo realizado no litoral norte de São Paulo e no litoral sul do Rio de Janeiro. A fase 2 é realizada em colaboração da Fiotec/Fiocruz por meio do Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (@otssbocaina), do Fórum de Comunidades Tradicionais (@forumdecomunidadestradicionais), da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp).