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Entre Marés e Territórios: A Força da Mulher na Pesca Artesanal

  • Foto do escritor: Déborah Gérbera
    Déborah Gérbera
  • 16 de set.
  • 7 min de leitura


Entrevista com Ana Flávia Pinto sobre a presença da mulher na pesca artesanal


Entrevistamos Ana Flávia, pescadora da praia do Peres, Ubatuba/SP, uma das coordenadoras da frente de luta da pesca Artesanal do Fórum de Comunidades Tradicionais - FCT, coordenadora político pedagógica do Projeto Redes/OTSS (Observatório dos Territórios Sustentáveis e Saudáveis) e participação em espaços nacionais na defesa da pesca Artesanal, para entender a realidade da mulher na pesca artesanal e a importância dessa presença tanto em questões sociais quanto culturais e socioambientais.

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Quando você começou a trabalhar com a pesca artesanal?

Ana: Iniciei a atividade da pesca artesanal com 17 anos. Hoje estou com 47 anos, então acho que faz bastante tempo que eu estou na área da pesca artesanal. Principalmente na luta do fortalecimento das mulheres  e da garantia dessas mulheres no espaço da pesca artesanal.


Quais são os principais desafios que as mulheres enfrentam neste setor?

Ana: São grandes os desafios que as mulheres enfrentam na pesca artesanal. Eu acho que o primeiro deles é o machismo, a questão do machismo contra a mulher da pesca artesanal, como se a mulher não tivesse a capacidade de estar no mar. É importante entender que a mulher não precisa estar no mar para ser uma pescadora, ela pode estar na cadeia produtiva. Ou na limpeza, na comercialização, nesse feitio dessa alimentação. Então, são vários os desafios, de dizer que a gente não tem força, o desafio de que a gente está masculinizada, o desafio do machismo, de dizer que as mulheres têm que estar nas cozinhas e outros espaços e que esse espaço é de homem, não é de mulher. A gente vive muito nessa questão ainda, né?! Acho que a gente conseguiu ganhos efetivos, mas ainda falta muito pra avançar.


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Você percebe alguma mudança no reconhecimento do trabalho feminino na pesca ao longo dos anos?

Ana: Hoje em dia já tem o reconhecimento do trabalho feminino, mas ainda falta muito avançar, né? Eu acho que a gente precisa ter mais fomento da pesca artesanal das mulheres. A maioria fala no masculino, né? Sempre pescadores, pescadores, pescadores, sempre esquecem as pescadoras, as marisqueiras, as mulheres que estão ali, não só no mar, trabalhando, mas também vendendo esse alimento, limpando, filetando esse pescado, enfim. Então, eu acho que precisa pensar uma política pública e campanhas de fomentos dessas mulheres na prática da pesca artesanal, que de fato fortaleça as mulheres nos territórios e que a gente vá minimizando esse preconceito que as mulheres ainda sofrem na pele todos os dias. Essa questão de colocar a mulher como frágil nesse processo, de que ela não é capaz de fazer isso. Eu ainda acho que falta muito para avançar.


Como a divisão do trabalho acontece entre homens e mulheres na pesca artesanal?

Ana: Hoje em dia, algumas mulheres se despontam nesse sentido, que vão ao mar e que também fazem essa limpeza do pescado, fazem a comercialização desse pescado, fazem também o cozimento desses alimentos. Tem mulheres que fazem a cadeia produtiva inteira da pesca artesanal. Antigamente era diferente, a mulher era apoiadora do marido, hoje não. A mulher tem a sua carteira, tem a sua individualidade nesse processo da pesca artesanal. Mas ainda assim, a gente precisa incidir, como eu sempre digo. E de fato, para os pescadores em geral, o homem é o que vai pescar no mar e a mulher é que fica com a função da limpeza, da casa, das crianças, de produzir o alimento, de fazer o alimento. Então essa sobrecarga para a mulher ainda continua. Então, o homem vai para o mar e a mulher fica com todas essas outras funções. Acho que as mulheres têm um papel social, econômico, político e cultural dentro desses territórios. Fortalecendo a manutenção da cultura, a soberania alimentar, economia solidária, o fortalecimento entre essas mulheres. Então, acho que a mulher tem um papel fundamental liderando dentro desses territórios. Não só nessa questão da pesca artesanal, mas também no fortalecimento da luta pela continuidade da pesca artesanal. E na garantia dos territórios pesqueiros para as futuras gerações.


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De que forma a articulação entre os projetos do FCT e do OTTS tem fortalecido a autogestão e a permanência das comunidades pesqueiras em seus territórios, especialmente no reconhecimento e demarcação dos territórios pesqueiros?

Ana: Nossa atuação inicia com as diretrizes do FCT, articulando com os projetos e espaços do OTTS, com as comunidades tradicionais e pesqueiras no sentido de garantir a permanência das comunidades em seus territórios, visando o reconhecimento e demarcação dos territórios pesqueiros, a construção de ferramentas de gestão que possibilitem a autogestão e a garantia desses territórios. Esses diálogos de saberes têm contribuindo com muitas conquistas para as comunidades pesqueiras, ampliando a participação de pescadores e pescadoras nos espaços de decisões, com diálogos regionais, estaduais, nacionais e internacionais, garantindo a cultura da pesca artesanal para as futuras gerações.


E sobre as políticas públicas ou incentivos voltados para mulheres pescadoras?

Ana: Sobre as políticas públicas, a gente tem o Programa Nacional dos Povos da Pesca Artesanal, assinado pelo presidente Lula logo no início do mandato. Também a gente tem o GT Políticas Públicas das Mulheres da Pesca Artesanal, que é um diálogo muito no sentido dessa saúde alternativa que trata essas mulheres que são pescadoras, que estão ali expostas ao sol, às águas, durante muito tempo. Só que nem sempre chegam na ponta, ou seja, nem sempre é para todas essas mulheres. Agora, às vezes, elas não têm esse acesso. Eu acho que, de fato, a gente precisa incidir mais nessas políticas, principalmente integrativas ao Sistema Único de Saúde, SUS. As mulheres ficam muito em contato com as águas, então tem muitas questões ginecológicas, e principalmente com a pele e também nesse conhecimento dos direitos que as pescadoras têm, né? Eu acho que, de fato, a gente tem políticas, sim, mas ainda não é o suficiente para abarcar todo o litoral do Brasil. Então, a gente precisa ter uma ampliação dessas políticas, e que, de fato, elas cheguem de verdade para essas mulheres.


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Como a atividade pesqueira impacta a vida familiar e social?

Ana: Então, é importante dizer que essa atividade pesqueira impacta a vida dessas mulheres, no sentido da sobrecarga de trabalho, a mulher, ela tá dedicada ali, dia a dia à pesca artesanal, que é um trabalho árduo, não é um trabalho fácil, exige muito dessas mulheres, e também, é de três turnos de trabalho diários, então, ela tá pescando, ela volta pra casa, ela vai fazer essa alimentação pros filhos, às vezes pro companheiro e companheira, né, e fica dependendo e além disso, ela tem essa sobrecarga de três turnos, três jornadas ao dia de trabalho, então, não é só a pesca artesanal, né, voltando pra casa, ela ainda tem todo um trabalho, pra ser feito, fora também a limpeza desse pescado, o cuidado e o armazenamento desse pescado que ela deve ter, então, eu acho que não é só ir pescar, mas sim todos os trabalhos diários que essa mulher tem para enfrentar no dia a dia.


A tecnologia e a modernização da pesca trouxeram benefícios ou desafios para as mulheres nesse setor?

Ana: Eu acredito que a tecnologia e a modernização da pesca trouxeram desafios para nós mulheres na pesca artesanal, porque a pesca artesanal utiliza tecnologias sociais, então ela não tem um aparelho para visualizar estes pescados, como a pesca industrial, por exemplo, que tem GPS e outros aparelhos de detecção desses pescados. Então a pesca artesanal está ali, mais artesanal, olhando e observando esse território pesqueiro diariamente, como tem influência da lua, do sol, das marés, das correntes, enfim. Agora houve muitos desafios, porque de fato, a pesca industrial com GPS tem facilidade de pegar toneladas de pescado que às vezes não chegam para a pesca artesanal, não chegam para essas mulheres. Diariamente, a gente demora mais, às vezes, na pesca artesanal para conseguir pegar o pescado como antigamente, por exemplo, que a gente não tinha incidência dessa modernização. Afeta realmente a comunidade pesqueira, perante toda essa modernização que está tendo. Mas a gente ainda busca com as tecnologias sociais que as comunidades tradicionais têm, e resistem, né, conseguir, assim, continuar com nosso modo de vida e garantindo essa cultura tradicional que a gente resiste.


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Como as mudanças climáticas têm impactado a pesca artesanal?

Ana: É importante dimensionar a questão das limitações climáticas que tem afetado muito também, não só as mulheres, homens, todos os pescadores e pescadoras artesanais, os territórios, mas no caso das mulheres, essa questão das mudanças das marés, do aumento dessas marés e também nos eventos climáticos que têm acontecido. Então, isso dificulta muito a pesca artesanal, que vem enfrentando várias questões do aquecimento global e de outros fatores que têm acontecido com essas emergências climáticas nos territórios pesqueiros.


Que mudanças você gostaria de ver para garantir mais igualdade e oportunidades para as mulheres na pesca artesanal?

Ana: Acho que o que é importante é garantir a igualdade dessas mulheres da pesca artesanal, primeiro é necessário promover a participação dessas mulheres nesses espaços de participação e cooperação, empoderamento dessas pescadoras. Acho que também a inclusão das mulheres da pesca artesanal em igualdade de condições com os homens, acho que a luta pela independência econômica, também a participação dessas mulheres no desenvolvimento de projetos e gestão de recursos da pesca artesanal, inclusão dessas mulheres poderem estar decidindo nessas tomadas de decisões da pesca artesanal e da gestão pesqueira. Acho que seria um desses pontos e principalmente também espaço de decisões em relação à saúde da mulher, que eu acho fundamental já que ela trabalha exposta ao sol, dentro dessas águas que, às vezes, estão contaminadas e que é preciso, de fato, uma incidência e também que chegue na ponta essas políticas públicas.


Que mensagem você deixa para as futuras gerações de mulheres pescadoras?

Ana: Importante as futuras gerações saberem que estamos lutando muito, para a garantia de territórios para quem vai chegar,   esperamos deixar um legado que as futuras gerações continuem essa luta na defesa dos territórios pesqueiros, ocupando esses espaços de tomadas de decisões, na garantia dos direitos e na permanência dessas comunidades tradicionais e pesqueiras nesses territórios.


Muito obrigada, Ana, por compartilhar da sua experiência e conhecimento.


Por Déborah Gérbera



 
 
 

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