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Plataforma Povos: ferramenta digital de cartografia social insurgente reúne dados do Projeto Povos e consolida iniciativa online da Fiocruz, desenvolvida por meio do OTSS e FCT

  • Foto do escritor: Débora Monteiro
    Débora Monteiro
  • 22 de jul.
  • 8 min de leitura

A Plataforma Povos disponibiliza dados da caracterização realizada entre 2019 e 2024 junto a 98 comunidades tradicionais situadas em Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba. A expectativa é que a ferramenta seja atualizada a partir do trabalho iniciado neste ano de 2025 na fase de expansão do projeto, que irá caracterizar até 2029 mais de cem territórios caiçaras, indígenas e quilombolas no litoral sul do Rio de Janeiro e no litoral norte de São Paulo. 

Equipes conversam sobre a Plataforma Povos na instalação montada no I Seminário de Integração do OTSS Clique no link e acesse: https://plataformapovos.org/
Equipes conversam sobre a Plataforma Povos na instalação montada no I Seminário de Integração do OTSS Clique no link e acesse: https://plataformapovos.org/

A Plataforma Povos é uma ferramenta digital que foi pensada como um sistema complexo e completo de armazenamento de dados do Projeto Povos, oferecendo de maneira gratuita a consulta online do trabalho elaborado por meio da cartografia social com comunitárias e comunitários de territórios tradicionais no Rio de Janeiro e em São Paulo. O sistema - iniciativa da Fiocruz, por meio do Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS) e o Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT) - garante a possibilidade de atualização constante dos mapas por lideranças e interlocutores das comunidades.


A Plataforma contribui para pensar políticas públicas de maneira territorializada. De acordo com os objetivos de quem acessa o sistema é possível fazer o recorte com filtros e selecionar o mapeamento dos dados. A conclusão do trabalho realizado pelo Projeto Povos até 2024 resultou na divulgação de 7.546 elementos georreferenciados com a participação ativa de mais de 850 representantes das comunidades tradicionais, oportunizando a elaboração de mais de 200 mapas e 10 publicações.


Clique aqui e faça o download das publicações do Projeto Povos.


O potencial de salvaguarda dos patrimônios é perceptível em poucos minutos de navegação pela Plataforma Povos. E a expectativa com os trabalhos na fase de expansão do Povos é que comunitárias e comunitários que tenham facilidade com tecnologias atuem como agentes autocartografantes, apropriando-se das possibilidades do sistema e trabalhando como interlocutores e articuladores guardiões da cartografia, desse trabalho de mapeamento, georreferenciamento, inclusão das informações na Plataforma.  


Fabiana Miranda, coordenadora de Gestão Territorializada do OTSS, destaca o desenvolvimento da Plataforma Povos como ferramenta essencial para potencializar a divulgação dos resultados do Projeto Povos. “As informações da Plataforma Povos têm a ver com a ocupação história por aqueles povos tradicionais, e o mapa na Plataforma, com a documentação escrita, carregada de uma narrativa e contextualização inerentes aos relatórios e às publicações do Povos, é imprescindível porque tudo isso não aparece nos mapas oficiais”. Fabiana explica que quem constrói os dados disponibilizados na Plataforma Povos são comunitárias e comunitários que participaram das etapas do Projeto. “No Projeto Povos tudo é sempre validado em 4 etapas, e o que está divulgado nas publicações impressas e no ambiente digital foi autorizado pelas pessoas que atuaram em todas as ações”, reitera. 

"Nosso trabalho tem como pilar a cartografia social insurgente. Entendemos ser fundamental que as cartografias produzidas por povos e comunidades tradicionais e comunidades periféricas de favelas resultem em mapas insurgentes, que precisam estar dentro de uma rede e, por sua vez, se comunicarem", Fabiana Miranda, coordenadora de Gestão Territorializada do OTSS.

Oficina do Projeto Povos na Ponta Grossa – Paraty/RJ – Maio/2022
Oficina do Projeto Povos na Ponta Grossa – Paraty/RJ – Maio/2022

O pesquisador do OTSS João Crisóstomo Holzmeister, integrante da equipe responsável pela realização da Plataforma Povos, celebra o enorme potencial de difusão do conhecimento com essa ferramenta toda baseada em softwares livres. “A Plataforma Povos é adaptável para ser utilizada tanto em desktop, quanto em smartphone ou tablet. O mapa é escalável, e cada pop-up abre uma breve descrição da comunidade, com fotografias de atividades tradicionais e culturais, registros audiovisuais, o link para a respectiva publicação do Projeto Povos. Há uma diversidade de dados”, celebra João. Todo o mapa é interativo, e as formas vetoriais representam os diferentes fenômenos mapeados. “Você clica em um ponto, uma linha, um polígono e aparece uma tabela de atributos”. 

Clique no link e acesse: https://plataformapovos.org/
Clique no link e acesse: https://plataformapovos.org/

Em algumas comunidades é possível acessar áudios de trechos de entrevistas captadas nas etapas do Povos, com uma linha do tempo que auxilia a separar as falas por tópicos, por exemplo. Outro destaque é a iconografia, porque todos os ícones e elementos são os mesmos utilizados nos mapas do Povos. João comenta que a iconografia em parte é feita pelos comunitários, em parte é feita pelas equipes.  

"O mesmo mapa que está impresso na publicação do Povos pode ser consultado de maneira online na plataforma, ferramenta que funciona como um espelho, com a otimização de termos um mapa vivo. O mapa impresso é estático, é um retrato do momento daquele espaço e daquele tempo. Já a Plataforma Povos nos permite uma coisa dinâmica, podemos colocar dados de outras fontes, temos a expectativa de transformá-la na plataforma do OTSS como um todo", João Crisóstomo Holzmeister, pesquisador da Fiocruz.  

A expectativa para o futuro é que o OTSS reúna de maneira digital os dados do Grupo de Pesquisa sobre Perdas e Danos, a Biblioteca de Tecnologias Sociais, dados da Rede Marangatu, do Turismo de Base Comunitária (TBC), das iniciativas da agroecologia. Ao alcance das mãos graças aos aplicativos para os celulares, o sistema online do OTSS possibilitará o retrato praticamente em tempo real da história dos territórios tradicionais.  


Rede de saberes 

  

As equipes do Povos estão desde o início do ano atuando na fase de expansão, oportunidade de ampliar o sucesso da iniciativa nos territórios caiçaras, indígenas e quilombolas localizados no litoral sul do Rio de Janeiro e no litoral norte de São Paulo.


Fotografia: Iane Lima, comunicadora comunitária do Projeto Povos


O pesquisador comunitário Robson Fernandes acredita que os povos tradicionais estarão mais fortes, em especial quem resiste há tanto tempo frente às ameaças, à especulação e ao abandono. “Mesmo com toda a dificuldade da logística pelo mar e as comunidades isoladas de difícil acesso, minha equipe do Povos já avançou e chegou às comunidades da Ilha Vitória, Serraria, Figueira, Praia Vermelha, Sombrio e Jabaquara. Estamos muito animados com essa chegada às comunidades, e é uma alegria ter a participação constante das crianças, que são presenças animadoras e essenciais nas nossas reuniões”, celebra. 


Para Robson, fazer parte da construção da Plataforma Povos foi muito mais que trabalhar com tecnologia, foi colocar no centro as vozes, os saberes e as histórias das comunidades.  

“Foi construir junto, com escuta, respeito e muito amor pelo território. Essa plataforma nasce como ferramenta viva de luta, de defesa, de visibilidade e de fortalecimento, para proteger nossos territórios, nossos saberes e garantir que as futuras gerações sigam firmes existindo como povo, como cultura e como história viva desse litoral”, Robson Fernandes, pesquisador comunitário do Projeto Povos

Jardson do Santos, pesquisador comunitário do Projeto Povos, acredita que a Plataforma Povos é muito importante principalmente pelas questões de mapeamento e georreferenciamento, pois esses dados são fundamentais para as comunidades tradicionais para a garantia dos territórios: podemos pensar o TBC, a Educação Diferenciada, a regularização fundiária, as questões de genealogia e ancestralidade, a riqueza cultural, os patrimônios material e imaterial. “Tudo isso vai ao encontro da manutenção de dados fundamentais para a garantia de territórios tradicionais e acesso a políticas públicas diversas. A Plataforma Povos dá visibilidade fundamental no processo de reconhecimento e de protagonismo das comunidades tradicionais”.

Oficina do Projeto Povos - Ilha de Jaguanum/RJ Maio/2025
Oficina do Projeto Povos - Ilha de Jaguanum/RJ Maio/2025

Muitas vezes é desafiador conseguir usar a base de dados que foi levantada dentro da cartografia social para organizar as atividades e as vocações socioeconômicas dos territórios, seja o TBC, seja o saneamento ecológico, a agroecologia, a pesca artesanal. Sidélia Silva, coordenadora da Incubadora de Tecnologias Sociais do OTSS, pontua que comunidades que trabalham com TBC têm se esforçado para criar indicadores e para criar a Rede Nhandereko, principal rede assessorada pela incubadora, um braço do FCT que tem se organizado com relação às atividades socioeconômicas dentro dos territórios. “Por ora o que a cartografia social tem feito é mostrar quais são os atrativos em comum entre as comunidades para trabalhar conjuntamente dentro da perspectiva do TBC de trazer os modos de vida tradicionais para dentro da elaboração".  

“Quais são os griôs que contam histórias? Quais são as mestras que estão no artesanato, que podem ser atrativos turísticos do TBC, e ao mesmo tempo como o TBC dialoga com as práticas comunitárias, com as práticas que já existem nas comunidades? Estamos fornecendo e elaborando os dados para então usar os dados da cartografia social”, Sidélia Silva, coordenadora da Incubadora de Tecnologias Sociais do OTSS.  

Assim existirá um entendimento de como as comunidades estão avançando para estruturar uma base de dados histórica e compreender o que é importante para cada comunidade.


Frentes de luta 


Chico da Almada, pesquisador comunitário, também defende o quanto é essencial para a pesca artesanal os dados da cartografia social. Até porque são os próprios pescadores e pescadoras das comunidades que acabam demarcando e resguardando seus próprios territórios de possíveis invasores. “A pesca tradicional está atualmente em disputa com grandes empreendimentos, com a pesca industrial, e é preciso que as comunidades demarquem seus territórios pesqueiros para se protegerem. Precisamos da terra e do mar para subsistência, para nossos modos de vida e cultura”. 


Festa de São Pedro na Ilha de Jaguanum, em Mangaratiba/RJ - Junho/2025


A questão da regularização e descriminalização da atividade agrícola nos territórios tradicionais é outra frente de luta fundamental, e os mapas georreferenciados do Povos fornecem exata orientação do território ocupado pela comunidade e como esse território vem sendo ocupado pela agricultura. Luciano Maciel Corbellini, biólogo assessor da Frente de Agroecologia/ITS - Incubadora de Tecnologias Sociais, acha muito importante enxergar as delimitações das unidades de conservação, detalhando as sobreposições que acontecem com as comunidades, assim como a questão de reserva legal e das Áreas de Proteção Ambiental, dos mapas ciliares, das bacias hidrográficas, bem como a questão da declividade dos morros que geram impedimento para a agricultura. “Nessa fase de expansão do Povos deve haver atenção com comunidades que têm aptidão agrícola nem expressa, refinando a informação, principalmente quando existe sobreposição com alguma unidade de conservação”, defende Luciano. “Há comunidades que desenvolvem pouca agricultura ou não desenvolvem. Algumas desenvolveram no passado, temos que entender por que deixaram essa aptidão, se foi por repressão ambiental, pela questão do avanço do turismo, fragmentação dos territórios, fatores relacionados ao solo”.  


Dados de demografia, quantidade de famílias relacionadas à atividade da agricultura, que tipo de práticas desenvolvem, são imprescindíveis para fazer um levantamento em cada mesoterritório. Isso porque a agricultura tradicional caiçara está baseada no uso e abandono da área, que é o pousio, forma de recuperação do solo para futuramente voltar à área.  

“Como a agricultura circula nos territórios? Temos que aprofundar a leitura para avançar nos trabalho junto aos órgãos públicos. E não basta marcar uma roça que ali existe, tem que delimitar o território onde existe a itinerância dessas roças”, Luciano Maciel Corbellini. 

O Projeto Povos fornece um dos fundamentos mais necessários para qualquer processo de regularização fundiária, que são as caracterizações das comunidades tradicionais. Para Paulo Leonardo Martins, assessor da Coordenação de Justiça Socioambiental, há enorme avanço nas estratégias de regularização fundiária partindo do levantamento do conhecimento ancestral que o Projeto Povos conseguiu sistematizar. “Só podemos avançar e ter perspectivas de dar escala e garantir conquistas de maneira mais ágil porque partimos do trabalho do Povos”. 

Resultado de uma condicionante do licenciamento ambiental federal, conduzido pelo Ibama, o Projeto Povos tem como objetivo visibilizar as comunidades tradicionais localizadas na área de abrangência de empreendimentos licenciados na Bacia de Santos e apoiar a defesa de seus territórios. Além disso, visa gerar informação de qualidade para a tomada de decisão em relação à avaliação de impactos e à determinação de novas medidas mitigatórias a serem exigidas em processos de licenciamento futuros junto a esses povos.  

Com execução da Fiotec, por meio do Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS), uma parceria entre a Fiocruz e o Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT), o Projeto Povos é uma medida de mitigação exigida pelo IBAMA no âmbito do licenciamento ambiental federal da atividade de produção de petróleo e gás da Petrobras no Polo Pré-Sal.  


Participam também do projeto, como parceiros, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), a Coordenação Nacional de Comunidades Tradicionais Caiçaras (CNCTC) e a Comissão Guarani Yvyrupá (CGY), principal entidade de representação dos povos Guarani no sul e sudeste do Brasil. 

  

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Reportagem: Débora Nobre Monteiro

 
 
 
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