Projeto Povos amplia caracterização de territórios tradicionais localizados em áreas de influência do Pré-sal
- Débora Monteiro
- 2 de abr.
- 6 min de leitura
Atualizado: 8 de abr.
Resultado de uma condicionante do licenciamento ambiental federal, conduzido pelo Ibama, projeto já caracterizou outros 98 territórios indígenas, caiçaras e quilombolas localizados no litoral sul do Rio de Janeiro e no litoral norte de São Paulo entre 2019 e 2024

O Projeto Povos irá caracterizar, até 2029, mais de cem territórios caiçaras, indígenas e quilombolas localizados em Mangaratiba e Ilha Grande, no litoral sul do Rio de Janeiro; e em Caraguatatuba, São Sebastião e Ilhabela, no litoral norte de São Paulo. A ação dá seguimento à caracterização já realizada entre 2019 e 2024 junto a outras 98 comunidades tradicionais situadas em Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba.
Resultado de uma condicionante do licenciamento ambiental federal, conduzido pelo Ibama, o Projeto Povos tem como objetivo visibilizar as comunidades tradicionais localizadas na área de abrangência de empreendimentos licenciados na Bacia de Santos e apoiar a defesa de seus territórios. Além disso, visa gerar informação de qualidade para a tomada de decisão em relação à avaliação de impactos e à determinação de novas medidas mitigatórias a serem exigidas em processos de licenciamento futuros junto a esses povos.
Conquistas e legado
Até aqui, já foram georreferenciados 7.546 elementos cartográficos com a participação ativa de mais de 850 representantes das comunidades, resultando na elaboração de mais de 200 mapas e 10 publicações.

Desde 2023 as publicações do Povos vêm sendo distribuídas nas escolas públicas do município de Ubatuba/SP. Cristiano Lafetá, coordenador do Projeto Povos, celebra a entrega dos conteúdos combinada a outras atividades com participação potente das equipes formadas por representantes das próprias comunidades caracterizadas. “Colaboramos na Semana Pedagógica e estivemos em encontros importantes para viabilizar a utilização dos materiais em sala de aula”, lembra.
Na segunda etapa do projeto está prevista a formação de professores e a ampliação da tiragem das publicações para que sejam distribuídas nas escolas públicas dos sete municípios onde acontece a caracterização. Cristiano acredita que essas ações fortalecem o trabalho da educação diferenciada dentro do processo educativo formal. “Ao trabalhar com as publicações nas escolas, professores e professoras têm a possibilidade de ampliar os conhecimentos a respeito de elementos das expressões culturais, dos modos de vida dos povos e comunidades tradicionais”.
As expectativas com a segunda fase do Povos confirmam a necessidade dos projetos político-pedagógicos abrangerem a realidade das comunidades tradicionais e os currículos diferenciados. Luisa Cardoso, caiçara da comunidade do Prumirim e assessora técnica do Projeto, explica que o Povos trabalha com metodologias ativas e participativas da educação popular para falar de cartografia social e cartografia insurgente.
“Atuamos para fortalecer as frentes de luta do Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT), e uma delas é a educação diferenciada. Por isso fomos nas comunidades tradicionais participar, por exemplo, das atividades formativas sobre o uso dos equipamentos de GPS e do Google Earth, e depois colaboramos nas ações realizadas com a comunidade escolar de Ubatuba”. Luisa destaca que o potencial das publicações do Povos como conteúdo pedagógico foi confirmado no momento da distribuição. “As equipes nos pediam mais mapas e a própria Secretaria de Educação solicitou que organizássemos a formação sobre os usos dos materiais no ambiente escolar”.
Nova fase
Reunião municipal do Projeto Povos em Ilhabela/SP. Fotografia: Thai
No mês de fevereiro deste ano, o Projeto Povos convidou organizações públicas e outros atores de municípios do litoral sul do Rio de Janeiro e do litoral norte de São Paulo para as reuniões de apresentação da segunda etapa de caracterização, que teve início em Mangaratiba e Ilha Grande, no Rio de Janeiro; e em São Sebastião e Ilhabela, em São Paulo.
“O sucesso da fase de planejamento e formação das equipes continua celebrado após concluídas as formalidades das reuniões municipais. Em Angra dos Reis, recebemos pessoas de todas as secretarias da prefeitura. Em Mangaratiba, o evento superou as expectativas, com destaque para a presença de representantes da Secretaria de Direitos Humanos e da Secretaria de Cultura”. Cristiano Lafetá, coordenador do Projeto Povos.
A cartografia social gera documentos e dados para embasar, por exemplo, processos de regularização fundiária, como a titulação de territórios quilombolas, demarcação de terras indígenas e outorga de Termos de Autorização de Uso Sustentável (TAUS) em áreas da União ocupadas por populações tradicionais. Cristiano defende que projetos de caracterização de territórios tradicionais se convertam em política pública, como condicionante dos licenciamentos ambientais de grandes empreendimentos cuja área de influência sobreponha territórios de povos e comunidades tradicionais. “A condicionante deve ser sempre realizada por cartografia social insurgente, com garantia do protagonismo dos movimentos sociais locais dos povos, das representações legítimas e legitimadas dessas populações em cada território”, pontua.
Reunião municipal do Projeto Povos em São Sebastião/SP. Fotografia: Thai
Para Raquel Albino da Conceição, caiçara da Praia do Sono e assessora técnica do Povos, o projeto tem grande importância para as lutas sociais justamente por construir um documento a favor das comunidades, onde comunitárias e comunitários podem falar da situação em que vivem e das coisas que anseiam para o futuro. “Por meio das publicações do Povos revelamos diversas injustiças, como violações de direitos por falta de políticas públicas e opressões advindas da atuação do Estado, da presença de grandes empreendimentos e de propriedades privadas nos nossos territórios tradicionais, bem como da falta de fiscalização e cumprimento das leis que deveriam proteger nossos direitos”, afirma. “Percebo o quanto o trabalho do Povos nos últimos anos tem colaborado para a organização comunitária e a compreensão popular a respeito dos direitos das comunidades”.
“Ao mesmo tempo em que traz à tona o histórico de resistência pelos povos tradicionais na defesa da terra e da cultura tradicional, o processo de caracterização estimula a reflexão a respeito do histórico de ocupação pelas comunidades no território e como o manejo tradicional sobre a terra, a mata e o mar, somada à resistência contra a especulação imobiliária, contribuiu para a preservação da natureza”, Raquel Albino da Conceição, assessora de campo no Povos.
Cheganças
Desde março as localidades que receberão o Povos estão vivendo as “Cheganças”, oportunidade das pessoas conhecerem o projeto e conversarem com quem conduz a caracterização. A partir disso, as saídas de campo se intensificam no processo de registro e documentação para a defesa dos territórios.
Projeto Povos acontece em território tradicionais de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Para Vagner do Nascimento, coordenador geral do OTSS e integrante do Colegiado de Coordenação do FCT, cada etapa do Projeto Povos contribui para a sociedade entender a dinâmica dos territórios pelos modos de vida e pela cultura das comunidades tradicionais como território único na relação histórico-cultural e ancestral dos povos indígenas, caiçaras e quilombolas.
“Há um avanço trazido pelas Povos em relação aos processos de licenciamento, aos protocolos de consulta, à escuta de comunitárias e comunitários. Celebramos tantas conquistas! As comunidades tradicionais contribuem com o debate e com ações propositivas, em especial relatando os impactos ao ambiente e aos modos de vida e cultura, e destacando que o território não suporta tantos grandes empreendimentos. O programa de educação ambiental, por exemplo, não incluía comunidades quilombolas e indígenas, e agora elas são incluídas dentro do processo de um programa como resultado da luta do FCT. Isso é reconhecimento”.

Jardson dos Santos, caiçara e pesquisador do Projeto Povos, avalia que todos os processos formativos são essenciais no processo de politização dos povos tradicionais e como ferramenta socioambiental de defesa de território. “Contribuímos para ampliar a discussão mais conjuntural da sociedade, debatendo a visibilidade e a mobilização contra a discriminação em relação às nossas comunidades. Finalmente temos um projeto construído por nós mesmos, desde a luta por políticas públicas de regularização fundiária, passando por disputas com o grande capital e fortalecendo essa aliança de trabalhar em redes no território”.
“Os Mapas Falados oportunizam a total incidência da comunidade mapeando seu território por completo: locais sagrados, de extrativismo, de pesca, de roça, de memórias. Não são iguais os mapas institucionais dos órgãos ambientais ou do governo, onde aparece apenas um pontinho mostrando a comunidade. Aqui a lógica é muito diferente, com trocas de conhecimento sem divisão ou limites. O quintal de casa em cada comunidade ganha destaque. E temos a chance de validar a transcrição por satélite e todo o material cartográfico. É uma alegria saber como as pessoas se veem ali na publicação final”, Jardson dos Santos, pescador e pesquisador do Projeto Povos na Praia do Sono.
Com execução da Fiotec, por meio do Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS), uma parceria entre a Fiocruz e o Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT), o Projeto Povos é uma medida de mitigação exigida pelo IBAMA no âmbito do licenciamento ambiental federal da atividade de produção de petróleo e gás da Petrobras no Polo Pré-Sal.
Participam também do projeto, como parceiros, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), a Coordenação Nacional de Comunidades Tradicionais Caiçaras (CNCTC) e a Comissão Guarani Yvyrupá (CGY), principal entidade de representação dos povos Guarani no sul e sudeste do Brasil.

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Por Débora Nobre Monteiro
Para saber mais, acesse www.plataformapovos.org.
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