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Raízes que resistem: o protagonismo juvenil na promoção da palmeira juçara

  • Foto do escritor: Déborah Gérbera
    Déborah Gérbera
  • 15 de out.
  • 3 min de leitura

Projeto que formou jovens quilombolas e caiçaras inspirou a campanha “A Juçara é Nossa” e segue frutificando em saberes, roças e territórios


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Créditos: Reprodução/Acervo Pessoal


A palmeira juçara (Euterpe edulis), espécie nativa da Mata Atlântica e símbolo de resistência das comunidades tradicionais, é mais do que uma árvore: é alimento, cultura e ancestralidade. Entre Ubatuba (SP) e Angra dos Reis (RJ), essa relação ganhou novas raízes a partir do projeto “Protagonismo Juvenil na Promoção da Palmeira Juçara”, uma iniciativa que mobilizou jovens quilombolas e caiçaras no manejo sustentável, na recuperação da floresta e no fortalecimento de suas comunidades.


O projeto, desenvolvido entre os anos 2000 e 2010, teve como foco a formação e capacitação da juventude de territórios tradicionais para o manejo sustentável da juçara, a agroecologia e a segurança alimentar. 


Financiado por programas públicos e executado em parceria com o Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT), o projeto envolveu comunidades do Rio de Janeiro e São Paulo, como Bracuí, Campinho, Camburi, Fazenda e Cabral, promovendo vivências, mutirões e a construção de saberes compartilhados, que hoje ecoam na campanha “A Juçara é Nossa”.


Jovens guardiões da Mata Atlântica


“O protagonismo juvenil surgiu com o propósito de fortalecer as comunidades tradicionais onde o projeto foi desenvolvido. A juventude pôde atuar, participar e contribuir para o fortalecimento da palmeira juçara, que na época estava ameaçada de extinção”, conta Marcos Vinicius de Almeida, coordenador do FCT e quilombola do Quilombo Santa Rita do Bracuí.

A proposta integrava três frentes: colheita, despolpamento e replantio da palmeira, em um ciclo completo de sustentabilidade. Além de gerar renda e preservar a espécie, a iniciativa formou jovens para a vida comunitária: muitos deles seguiram caminhos na agroecologia, nas universidades e nas próprias associações de base. Para Marcos, portanto, o projeto foi mais do que um programa temporário. 


“O protagonismo juvenil formou jovens para o futuro. Não era um projeto de dois ou três anos, mas de longo prazo: de cinco, dez ou vinte anos. Ele nos ensinou a plantar a juçara e também a cuidar dos nossos territórios”, salienta.


Com o passar dos anos, a experiência se transformou em um ponto de virada: além do palmito, tradicionalmente consumido nas comunidades, os jovens aprenderam a valorizar a polpa do fruto, usada para sucos, doces, licores e pratos típicos. Essa mudança ajudou a substituir o corte predatório pelo manejo sustentável, garantindo o replantio e a regeneração natural das áreas.


“Antes, só se usava o palmito. Com o projeto, aprendemos que era possível replantar e aproveitar também a polpa. Hoje seguimos despolpando o fruto e usando a juçara no nosso dia a dia”, relata Marcos.


Do protagonismo à campanha “A Juçara é Nossa”


No Quilombo da Fazenda, em Ubatuba (SP), o projeto também deixou marcas profundas. Cristiano Braga, presidente da associação local e militante do FCT, participou do Protagonismo Juvenil entre 2007 e 2008. Ele lembra que, além de formar jovens, o projeto deu origem à ideia que mais tarde inspiraria a campanha “A Juçara é Nossa”.


“Sabendo que somos os verdadeiros guardiões dessa palmeira, tivemos a ideia de criar a campanha ‘A Juçara é Nossa’, porque as maiores concentrações da espécie estão dentro dos territórios das comunidades tradicionais. Onde há muitas palmeiras, há comunidades. Isso comprova que somos nós que preservamos e garantimos a existência da juçara em nossos territórios”, afirma Cristiano.

Durante o projeto, os jovens criaram viveiros, bancos de sementes e sistemas agroflorestais, demarcaram áreas com palmeiras matrizes e passaram a produzir polpas do fruto. Essas ações se integraram a feiras, oficinas e festas culturais, como a Festa da Juçara, que nasceu da vivência do protagonismo juvenil e se consolidou como celebração comunitária.


“Esse programa também gerou renda para a juventude. Conseguimos viver do nosso território, sem precisar migrar para os centros urbanos”, relembra Cristiano.


Com o encerramento do projeto, as comunidades continuaram o trabalho de forma autônoma, articuladas pelo Fórum de Comunidades Tradicionais. O movimento se transformou em uma campanha política e cultural que ecoa até hoje — a campanha “A Juçara é Nossa”, que reafirma o direito das comunidades sobre a palmeira, seus frutos e seus saberes, resistindo à apropriação comercial e ao avanço do agronegócio.


Sementes que seguem germinando


Mais de uma década depois, jovens de diferentes comunidades continuam atuando na colheita, no replantio e no beneficiamento da juçara, fortalecendo a economia local e a soberania alimentar. As ações inspiraram novos projetos, intercâmbios e políticas públicas de valorização dos territórios tradicionais.


“A juçara é muito mais do que uma árvore. Representa fortalecimento, ancestralidade, alimento e riqueza. Por isso afirmamos: A Juçara é Nossa”, resume Marcos Vinicius.

Para Cristiano, o legado do protagonismo juvenil está no despertar da consciência e da continuidade.


“O programa acabou, mas as comunidades continuam. Seguimos preservando, replantando, porque entendemos o valor dessa espécie —para nós, para a floresta e para a vida”, finaliza.


Por Caroline Nunes



 
 
 

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