Culinária que une territórios: mulheres de comunidades tradicionais trocam saberes e sabores na Bahia
- Caroline Nunes
- 24 de set.
- 3 min de leitura
Intercâmbio entre a Cozinha das Tradições e a cozinha baiana celebra saberes ancestrais, promove trocas culturais e marca a fundação do Fórum de Povos e Comunidades Tradicionais da Baía de Todos os Santos

Na Bahia, o sabor da tradição se transformou em ponte entre territórios. Durante a primeira semana de setembro de 2025, lideranças de cinco fóruns de comunidades tradicionais se reuniram na Ilha de Maré, em Salvador (BA), junto a representantes de povos e comunidades tradicionais (PCTs) de oito estados do Brasil, para apoiar a fundação do Fórum de Povos e Comunidades Tradicionais da Baía de Todos os Santos.
Este sexto fórum se junta aos já existentes no Litoral Sul do Rio de Janeiro e Litoral norte de São Paulo, Vale do Ribeira, Sergipe, Baía de Sepetiba e Guaraqueçaba, consolidando uma rede nacional de resistência e defesa dos territórios.
Nesse contexto, a Cozinha das Tradições — grupo que reúne mais de 70 mulheres e homens entre indígenas, quilombolas e caiçaras — participou de um intercâmbio culinário com mulheres da cozinha baiana. Andreza Fraga, caiçara de Paraty (RJ), descreve a experiência como “maravilhosa” e afirma que o intercâmbio foi além da culinária.

“Não fomos só para cozinhar. Vivenciamos muita coisa, fizemos um tour de denúncia, mostrando como as empresas exploram o território baiano sem fazer nada pelas comunidades. Ver as pessoas sofrendo com a exploração imobiliária e com as grandes empresas que chegam e acabam com tudo doeu bastante”, destaca.
Na cozinha, a troca de saberes foi intensa. Andreza relembra momentos de aprendizado mútuo.
“Cozinhar com aquelas mulheres foi maravilhoso. Ver como elas preparam o vatapá, o acarajé, entender que não é só comida, mas uma experiência de vida, foi muito especial. Eu ensinei a fazer bolinhos, outra ensinou a carne… foi muito bonito.”

Suzana, da Aldeia Indígena Rio Bonito (SP), destaca a oportunidade de se conectar com outras culturas.
“Dei muitas risadas, ensinei as mulheres a fazer tipá e foi maravilhoso. Trouxe um aprendizado que é para mim mesma, não só para os outros. Foi uma forma de me conectar mais com pessoas de fora.”
Para ela, participar da Cozinha das Tradições também representou reconhecimento. “Agora estou fazendo parte das Tradições, e isso foi muito gratificante.”
Flávia da Silva Adriano, do Quilombo Santa Rita Bracui, em Angra dos Reis (RJ), também celebrou a experiência.
“Percebi que lá elas usam muito o azeite de dendê na alimentação, essencial na tradição baiana. Eu ensinei a fazer carne de porco com cuscuz, e algumas estranharam, mas a troca fluiu. Foi emocionante ver a felicidade delas em apresentar seus pratos, sabendo que iam ser registradas.”

O intercâmbio alcançou diversas comunidades, na Ilha de Maré, e algumas em Salvador como quilombo Dom João e Acupe, segundo Cirlene Martins, mais conhecida como “Ninha”, do Quilombo do Campinho. Ela conta que os banquetes oferecidos pelas mulheres marisqueiras apresentaram pratos como moqueca de aratu, camarão, polvo, catado de siri, vatapá e caruru, enquanto as visitantes compartilharam paçoca de banana verde, bolinhos de banana-da-terra com peixe seco, feijoada quilombola e tortas de palmito.
“Foram dias de troca de saberes ancestrais, de histórias e de sabores. Cada prato contava uma história, cada receita guardava um pedacinho de cultura. Uma experiência inesquecível”, afirma.

Mais do que cozinhar, o intercâmbio reforçou a importância da união entre comunidades tradicionais para preservar culturas, fortalecer identidades e enfrentar os desafios da exploração dos territórios.
Como resume Andreza, “falar da Cozinha das Tradições nesse contexto é gratificante. Foi uma experiência marcante, um divisor de águas na minha vida”, finaliza.
Por Caroline Nunes
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