Em busca de preparar as comunidades tradicionais de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba para potenciais impactos da exploração de petróleo na Bacia de Santos, atividade reuniu, no quilombo do Campinho, analistas ambientais, especialistas em petróleo e representantes de povos tradicionais recentemente afetados pelo derramamento de óleo no Nordeste.
Realizada entre os dias 10 e 12 de fevereiro no Quilombo do Campinho, a formação “Indústria de Petróleo e seu impacto nas Comunidades Tradicionais da Bocaina: trocando experiências e construindo estratégias de prevenção e controle social” se consolidou como mais uma etapa do fortalecimento da caracterização nos territórios de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba. Esse encontro teve como objetivo ampliar o debate sobre os possíveis impactos do Pré-sal nas comunidades tradicionais da região, construir estratégias para a constituição de um plano de contingência comunitário em caso de eventuais vazamentos na região e dar mais ferramentas para que a equipe de campo do Projeto Povos possa partilhar o conhecimento adquirido sobre o pré-sal para as comunidades do projeto.
Reivindicação histórica do Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT), o Projeto Povos é resultado de uma medida de mitigação exigida pelo IBAMA, no âmbito do licenciamento ambiental federal, da atividade de produção de petróleo e gás da Petrobras no Polo Pré-Sal. A Fiocruz e o FCT, por meio do Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS), executam o projeto.
"Passamos recentemente por um acontecimento muito trágico, que foi o derramamento de óleo que afetou diversas comunidades tradicionais no Nordeste. Nós da Bocaina esperamos que nunca aconteça por aqui um acidente dessa proporção, mas sabemos que precisamos criar mais espaços de debate sobre esse tema para estarmos preparados todos os impactos que esses grandes empreendimentos podem trazer para as comunidades, sejam eles diretos ou indiretos”, destacou Vagner do Nascimento, Coordenador Geral do FCT e do OTSS.
"O Projeto Povos surge como uma das várias condicionantes do licenciamento do Pré-sal, realizado pelo Ibama, com a finalidade de cobrir uma lacuna de informações que temos hoje sobre os territórios tradicionais quilombolas, caiçaras e indígenas da região. Isso permitirá um retrato desses territórios tradicionais para que possamos prever o cenário de possíveis impactos que essas comunidades podem sofrer”, completou Karine Nahahara, analista ambiental que integra a equipe de Coordenação de Licenciamento Ambiental de Produção de Petróleo e Gás do Ibama.
Racismo ambiental e o petróleo derramado sobre o Nordeste
O encontro também teve como propósito situar a população da Bocaina sobre a gravidade do desastre ambiental ocorrido no ano passado na região Nordeste do Brasil. Com a presença de lideranças que ainda sofrem seus impactos e pesquisadores que têm atuado na área atingida, a formação pôde ampliar os olhares das comunidades da Bocaina sobre a gravidade desse tipo de acidente.
"A inação do estado gerou graves consequências sociais, na saúde, economia, meio ambiente, como também uma forte especulação territorial que enfraquece os movimentos dos territórios e permite a entrada de grandes projetos. As prefeituras negavam a existência do petróleo e instruíam guarda-vidas a orientar turistas que não havia riscos. É muito importante ter projetos de pesquisas independentes para provar o nível de contaminação dos peixes, moluscos e da água", alertou Miguel Accioly, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) que atua no Laboratório de Gestão Territorial e Educação Popular.
"Quem são os pescadores e pescadoras no norte e nordeste do Brasil? A população indígena e a população negra. Os corpos negros imersos naquela água e naquele material contaminado não tinham importância, porque a carne mais barata do mercado é a carne negra. A gente tem dito que, para determinadas questões, não tem negociata, especificamente com as questões do território. Não podemos perder de vista que não se trata de uma política de governo, mas uma política de estado exterminadora de povos e comunidades tradicionais. Trata-se de uma narrativa com muito racismo ambiental e estrutural, porque passaram-se mais de três meses e quase que não houve ação", afirmou Eleonice Sacramento, quilombola de Conceição de Salinas na Bahia e integrante do Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP).
"A articulação comunitária que está sendo feita aqui é muito importante. O que nós vimos lá no Nordeste é que as comunidades mais bem articuladas, com listagem de pescadores, tiveram seus direitos reconhecidos a partir de processos de judicialização junto ao Ministério Público Federal. Também é fundamental as prefeituras decretarem emergência, para que a população possa ser indenizada. O racismo institucional é muito sério, há um silenciamento e negação do pescador e dos direitos das comunidades", completou Maria Cristina Mitsuko Peres, caiçara da praia do Lázaro de Ubatuba e enfermeira e pesquisadora Centro de Estudos e Pesquisas em Emergências e Desastres em Saúde (Cepedes/ENSP/Fiocruz).
Maria reforçou que, no caso do nordeste, foram observados boicotes e crises entre secretarias estaduais e prefeituras municipais em todos os estados, independentemente de sua orientação política. "A falta de responsabilidade com o derramamento de óleo foi muito grande entre os poderes e os embates políticos dificultaram as ações. Além disso, o sistema de saúde está pronto para fazer acompanhamento de saúde durante dez anos junto aos atingidos? Há uma enorme dificuldade de acesso de pescadores e marisqueiras ao SUS. É importante para vocês da Bocaina conferirem se o SUS local está preparado para atender uma situação dessas e se tem financiamento municipal para caso de crises", alertou a pesquisadora.
Fiocruz analisa impactos do derrame de petróleo na saúde
A Fiocruz monitora o impacto na saúde da população atingida pelo derrame de petróleo no litoral do Nordeste desde dezembro de 2019. Um dos principais objetivos da ação é rastrear o risco para pescadores, marisqueiras e grávidas. Para isso, a instituição criou um grupo de trabalho - com a mobilização de pesquisadores e envolvimento das direções dos institutos e unidades técnico-científicas da Fiocruz da região Nordeste - para avaliar o problema e propor soluções.
“Nas áreas atingidas, os pescadores e marisqueiras (que no Nordeste representam uma população hoje estimada em 144 mil pessoas) correm o risco de ter contato direto com o material contaminado e o pescado como principal fonte de sua alimentação e modo de vida nos territórios que habitam. Essas populações exercem um papel central na defesa do patrimônio cultural, ambiental e econômico da costa do Nordeste. Por isso, temos que ter um cuidado redobrado com essas pessoas, e, por isso mesmo, envolvê-las na organização da resposta”, informou o pesquisador Guilherme Franco Netto, assessor da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz.
Texto: Vanessa Cancian/ Comunicação OTSS
Fotos: Felipe Scapino/ Comunicação OTSS
Edição: Vinícius Carvalho/ Comunicação OTSS
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