Relato sobre o Encontro de Troca de Experiências em Agroecologia do GT Mulheres da AARJ - realizado no Quilombo do Bracuí (Angra dos Reis) , Quilombo da Fazenda (Ubatuba) e Quilombo do Campinho (Paraty).
Elas vieram de vários lugares, com várias idades, jeitos e histórias diferentes. Durante dois dias e meio, entre 3 a 5 de junho, mais de 50 mulheres deixaram suas casas e suas rotinas para um encontro que compõem um grande sonho coletivo. O gancho desse encontro era falar sobre agroecologia, uma palavra de difícil pronúncia e que ainda está sendo assimilada por mim. E eu, nas minhas reflexões desses dias de encontro me sentia jovem demais para a trajetória de muitas que estavam ali. Observei, senti. Não entrevistei ninguém. Queria ter ouvido a história de vida de todas. Ouvi mais uma vez. Senti que aprender sobre agroecologia e suas diversas dimensões cabe muito mais nas sensações do que nas métricas científicas e técnicas que rondam nosso viver.
Durante esse tempo fiquei pensando sobre o que leva tantas mulheres a estarem juntas, trocando tantas coisas que são impossíveis de descrever com palavras. Nós mulheres queremos olhar no olho das outras mulheres e dividir um pouco o fardo pesado que é o mundo para nós. Dividir a receita que aprendi com a minha avó para fazer sabão e ver que uma outra mulher a muitos quilômetros de distância faz do mesmo jeito que ela. Ouvir o relato de uma senhora agricultora que transformou seu quintal em um espaço cultural. Saber que muitas ali transformaram a política da agroecologia no Brasil e que mesmo assim, poucas vezes são chamadas a falar, a colocar sua voz porque sempre há um homem que é acionado, que não tem filho, que não amamenta e que circula livremente no mundo. Durante esses dias eu queria ter registrado de forma mais “sistematizada” o que fizemos ali, só que ao mesmo tempo, essa vontade sumia e a prevalecia a vontade de observar quão maravilhoso é encontrar quem caminha longe e pulsando a mesma luta que nós e tantas outras.
Nos intervalos das rodas de conversa teve troca de semente crioulas, eu via as mulheres falando sobre as espécies de plantas daqui, sobre a receita do coração da banana, sobre a farinha de mandioca e sobre o que viesse a cabeça. Também nos cuidamos com ervas sagradas, com saberes que só daquele jeito que se tem e que se aprende. Ali elas estavam livres para ser quem são e para falar, sem vergonha, sem medo e com uma intimidade de outras vidas sobre o que quer que fosse o assunto. Pensei também que nos encontramos para poder ser quem somos, e se a luta é por um mundo e um viver mais agroecológico, que ele comece por todas aquelas que já foram geradas ou geradoras da vida dentro delas, ou que nem foram, mas que sabem o valor que tem um ser humano capaz de germinar outro dentro de si.
A agroecologia que se multiplica no útero materno é também aquela que deve ser semeada entre homens, mulheres e todas as pessoas que estejam prontas para ouvir, aprender, trocar e respeitar o nosso papel enquanto pessoas nas diversas sociedades que vivemos. Encontrar entre mulheres gera, produz, nutre, alimenta tanta terra que não sou capaz de falar e não há ciência que seja capaz de medir. Elas estavam ali dispostas aos abraços, aos imprevistos, aos percalços de uma vida de combates constantes por lugar de fala e de ação. Tenho certeza que quando nos encontramos para falar de agroecologia, essa própria palavra se multiplica em várias, para poder caber todas as lutas e desejos que somos e que temos nesse mundo para podermos viver.
Se me perguntarem como foi o encontro, o que houve de concreto? O que foi deliberado? O que ficou pra trás? Eu acho que não saberia dizer porque a construção dessa nossa luta transcende e muito as coisas palpáveis da vida para fazer brotar outras sementes de um mundo realmente agroecológico em que nós mulheres sejamos quem somos em qualquer lugar.
Texto e fotos: Vanessa Cancian/ Comunicação OTSS
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