“Saneamento em aldeias indígenas é o primeiro passo para a soberania e saúde dos territórios”
- Caroline Nunes
- 8 de ago.
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Em entrevista ao OTSS, Ivanildes Kerexu, liderança indígena e coordenadora do FCT, avalia que ainda faltam recursos para que mais ações de saneamento sejam implementadas

“Saneamento, para nós, é saúde”. É o que afirma Ivanildes Kerexu, liderança indígena da aldeia Yakã Porã (Rio Bonito), que faz parte do território da Aldeia Boa Vista, em Ubatuba (SP). Coordenadora do Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT), Ivanildes e mais de 50 indígenas da etnia Guarani-Mbya residem no território há anos. E lutam por soberania alimentar, respeito à ancestralidade e saúde.
Com a construção do primeiro banheiro ecológico da aldeia, inaugurado no dia 11 de abril de 2025, Ivanildes avalia que a precariedade na saúde indígena,em geral, é resultado da falta de saneamento. Segundo ela, a escassez de recursos é o principal fator que atrapalha o bom desenvolvimento das comunidades indígenas de diversas regiões, não só em Ubatuba.
Em uma conversa com o Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS) – uma parceria entre a Fiocruz e o Fórum de Comunidades Tradicionais – Ivanildes Kerexu explica como o saneamento ecológico é eficaz para a promoção da saúde indígena e pondera o quanto ainda é necessário lutar por qualidade de vida digna para o povo guarani.
OTSS: Qual é a principal dificuldade do saneamento em comunidades indígenas? O que dificulta esse processo?
Ivanildes: A principal dificuldade, primeiro, seria o recurso. O recurso para executar, de fato, as ações de saneamento em comunidades indígenas. As aldeias por si só não conseguem gerar esse recurso, então, dependemos da ajuda de fora. E aí depois, é claro, de projetos específicos que atendam às necessidades da região. A gente precisa elaborar projetos mais voltados para a questão territorial. Hoje nós já temos experiências muito ruins na parte do saneamento indígena quando é feito um banheiro convencional. Um banheiro normal, igual todo mundo tem em suas casas, não atende o que os indígenas precisam.
E por que isso acontece? Porque normalmente nas aldeias não chega carro! É uma trilha de difícil acesso. Então, se a gente parar para pensar, caso haja algum problema neste banheiro, vamos supor: a fossa enche. Estoura e vai escorrendo a água. Aí o que ocorre é sujeira a céu aberto. Sem recursos, sem especialistas para consertar, e sem projetos específicos, o resultado é uma piora na saúde das comunidades como um todo. Por isso o saneamento ecológico é importante. Porque conviver com a sujeira dos banheiros é muito preocupante. E a gente já vê isso acontecer nas aldeias.
Daí, tem outro ponto: um banheiro convencional é feito com materiais convencionais. E como a gente faz para trazer esses materiais convencionais para dentro das aldeias? É muito difícil! Por isso a gente tem que pensar em como fazer de uma forma que funcione para a aldeia.
Então, as dificuldades seriam essas. E também é a falta de estrutura, como eu falei, projetos adequados para aquela situação Para aquele local. Por que cada aldeia é diferente, então, é preciso pensar em projetos diferentes.
OTSS: Qual seria o modelo ideal de saneamento para uma aldeia indígena?
Ivanildes: O saneamento ecológico é o que funciona nas aldeias que já fui, como a Sapukai [Bracuí, em Paraty/RJ]. Lá tem um saneamento ecológico que é de bananeira. Ali, por enquanto, não tivemos reclamação. Mas é claro que a gente tem que pensar que não existe apenas uma forma de fazer saneamento ecológico, de fazer banheiro ecológico. E isso depende muito do local.
E eu falo que o saneamento ecológico funciona porque os projetos levam em consideração a necessidade do território, do que a gente precisa. Aqui [Yakã Porã], precisava do banheiro para que a gente pudesse trabalhar mais com o Turismo de Base Comunitária (TBC). E para trazer visitante a gente precisa ter estrutura.
Então, se a gente parar pra ver, tudo começa com banheiro e saneamento. O método ecológico faz as outras coisas funcionarem. E tem que ser o saneamento ecológico pensado para aquele território, que nem foi aqui.
OTSS: O que o saneamento representa para a Aldeia Rio Bonito neste momento?
Ivanildes: O saneamento, para nós, é saúde. Quando a gente não tem banheiro e tem esgoto a céu aberto… É perigoso. Gera doenças se não for tratado e despejado no lugar adequado, no lugar ideal. Antes do banheiro, a gente ia para o mato mesmo. Então, era bem difícil. Na chuva, a gente sabe que não é legal, não é certo, mas a gente não tinha outra solução.
A gente aprendeu também que não é bom fazer as necessidades em qualquer lugar. E, para isso não acontecer, precisamos do saneamento, de ensinar a comunidade, de ter até lugares para separação do lixo, da reciclagem. Então, o saneamento resolve bastante coisas para nós. É ter dignidade dentro dos territórios, e não só aqui, mas em outras comunidades.
Tem aldeia que precisa mais do saneamento para auxiliar no turismo, outras que precisam para trazer mais saúde para o território. É tudo sempre relacionado à saúde. Por falta de saneamento, muitas aldeias sofrem com doenças.
E é importante dizer que, dentro do que eu sei, em Ubatuba pelo menos, não tem nenhum projeto de saneamento nas aldeias. Nunca teve iniciativa, nada. E na cidade há outros territórios que precisam.
OTSS: Como foi o processo da construção do banheiro da Aldeia Rio Bonito?
Ivanildes: Bom, começou quando a gente fez a retomada do território. Porque, apesar da aldeia Yakã Porã ser parte do território da Boa Vista, ela está no processo de demarcação. É como se fosse a ampliação da Aldeia Boa Vista. E aí, quando a gente fez essa retomada aqui, para poder fortalecer a demarcação de terra junto ao território da Boa Vista, a primeira coisa que a gente solicitou e que a gente pediu foi o banheiro. A gente já vem nessa luta há sete anos. Eu sempre levava isso para o Fórum das Comunidades Tradicionais, onde eu sou uma das coordenadoras.
E aí, a gente foi fazendo esse projeto no Observatório [de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina], com muito diálogo. A gente fez vários projetos junto com as crianças, com as pessoas da aldeia. Fomos sugerindo como deveria ser até a própria estrutura mesmo do banheiro. Foi uma construção pensada em conjunto, e isso é muito bom. O saneamento, o banheiro, conseguiu unir todo mundo.
OTSS: O que é necessário, então, para que mais comunidades tenham mais acesso às ações de saneamento ecológico?
Ivanildes: Recurso. Em primeiro lugar. É importante que existam projetos pensados para essa questão, que é urgente de certa forma. A maioria dos territórios indígenas não conta com um planejamento de saneamento, com uma equipe que consiga entender o que é preciso ser feito para que esse saneamento traga saúde. As comunidades precisam lutar por essa questão, para trazer mais dignidade para o território através do saneamento, em primeiro lugar, que permite que a gente trabalhe e tenha independência.
E quem entende do assunto deve considerar que cada aldeia é de um jeito e demanda projetos que atendam o que cada uma tem como necessidade. Olhar para a saúde indígena, da mulher indígena, é também uma forma de garantir a manutenção dos territórios, da preservação ambiental, do futuro das aldeias. E com o saneamento sendo o primeiro passo, tudo fica menos complicado.
Por Caroline Nunes
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