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Aliança de Povos e Comunidades Tradicionais consolida frente nacional em defesa dos territórios ancestrais e da Mata Atlântica

  • Foto do escritor: Juliana Vilas
    Juliana Vilas
  • 6 de nov.
  • 7 min de leitura

O II Encontro Nacional de Fóruns de PCTs, realizado em Sergipe, reuniu dezenas de movimentos sociais em defesa dos territórios tradicionais, com debates sobre ameaças e lutas que desafiam comunidades e modos de vida em todas as regiões do Brasil


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Entre os dias 20 e 24 de outubro de 2025, comunidades tradicionais de todas as regiões do Brasil se reuniram no Assentamento Moacyr Wanderley, em Nossa Senhora do Socorro (SE), no II Encontro Nacional de Fóruns dos Povos e Comunidades Tradicionais. Com o lema “Terra, Água, Pão e Povo”, o evento reuniu movimentos sociais, representantes de diversas esferas do poder público e lideranças de segmentos como quilombolas, indígenas, caiçaras, pescadores e marisqueiras e comunidades de todo o País.


A dimensão do encontro em Sergipe pode ser visualizada pela força da Aliança Nacional dos Povos Tradicionais Guardiões da Mata Atlântica, uma frente nacional que inclui o Fórum de Povos e Comunidades Tradicionais do Vale do Ribeira, o Fórum de Comunidades Tradicionais de Sergipe, o Fórum dos Pescadores em Defesa da Baía de Sepetiba, entre outros.


Logo depois da Mesa de Abertura, o tema “A Luta pela Terra é a Mãe de Todas as Lutas: territórios tradicionais, reforma agrária e soberania alimentar”, um painel de análise de conjuntura, uniu as principais lideranças presentes no evento. E, ao longo da primeira tarde, os participantes se dividiram em Grupos de Trabalho (GT), para planejar estrategicamente a atuação dos movimentos, em cinco eixos:

Incidência política | Captação de recursos | Comunicação | Formação política | Cooperação Internacional


As reuniões dos grupos pavimentaram o caminho para os dias seguintes. E o primeiro dia foi encerrado com o momento cultural ao som da Batucada do improviso de Porto D'areia-Estância.

A terça-feira, segundo dia do Encontro, foi dedicada às Vivências nas Comunidades. Os participantes, divididos em três grupos, se deslocaram para conhecer a realidade dos territórios da região:


  1. “Cultura não se cala: visita aos saberes e sabores ameaçados da Mussuca”: Quilombo da Mussuca, no Município de Laranjeiras. 

  2. “Mangue é vida: territórios atingidos, saberes em resistência”: Comunidade de pescadores Mosqueiro, em Aracaju.

  3. “Do petróleo ao agronegócio: As feridas abertas do rio e do povo”:  Comunidade de Aguada, na cidade de Carmópolis.


A Audiência Pública “Territórios Tradicionais Sergipanos em Alerta” foi realizada ao longo da quarta-feira, na Comunidade Quilombola do Pontal da Barra, em Barra dos Coqueiros –espaço considerado emblemático para a reflexão sobre as questões que envolvem os povos e comunidades tradicionais de Sergipe e do Brasil. O evento reforçou o diálogo sobre os desafios enfrentados por PCTs, como as ameaças aos territórios e modos de vida tradicionais. As discussões foram realizadas em dois momentos: a Mesa dos Povos e a Mesa das Autoridades.


Na Mesa dos Povos, as comunidades apresentaram suas angústias e necessidades. Robério dos Santos, liderança do Quilombo Pontal da Barra, cobrou da Superintendência do Patrimônio da União (SPU) uma resposta sobre o Termo de Autorização de Uso Sustentável (TAUS) solicitado pela comunidade. E ainda falou da contenda na Zona de Expansão entre Aracaju e São Cristóvão, denunciando a obra de macrodrenagem que, além de contaminar o rio e o lençol freático, está causando problemas para marisqueiras e pescadores e abrindo caminho para a especulação imobiliária.


À tarde, a Mesa com Autoridades reuniu representantes de órgãos do Governo Federal e da Câmara Municipal de Aracaju (SE). O vereador Iran Barbosa reforçou o compromisso com os PCTs. “O modelo econômico que tenta subjugar a contribuição dos povos e comunidades tradicionais e dominar seus territórios o faz em função dos interesses do capital”. E destacou a importância de usar o potencial dos mandatos –citou como exemplo um projeto de lei que apresentou como deputado estadual com o objetivo de impedir a pulverização aérea em Sergipe.


Evelyne Costa Carvalho, da Superintendência do INCRA Sergipe, mencionou avanços recentes, como o decreto de 27 territórios quilombolas pelo atual governo federal. E poderou que, por outro lado, “comunidades como Luziens, Pontal e Brejão dos Negros continuam na espera do decreto presidencial”, comentou, antes de denunciar o sucateamento do INCRA que, de 120 servidores passou a 42. Evelyne lembrou, ainda, que a política quilombola nacional ficou estacionada por seis anos. A mesa contou com dois representantes da Superintendência do Patrimônio da União (SPU): Nielson Tôrres Neves de Carvalho, coordenador da SPU em Sergipe, e Cleide Lúcia Marques Theodoro, da área de Regularização Fundiária da SPU em Brasília, que concordaram: a SPU “deve muito às comunidades tradicionais”. Nielson destacou o encaminhamento de Termos de Autorização de Uso Sustentável (TAUS) para comunidades como Pôr d'Areia e Mussuca. Já Cleide lembrou, emocionada, sobre a decisão de permanecer no serviço público para apoiar os movimentos: “acho que preciso, antes de ir embora, dar um pouco mais de mim e tentar, de forma administrativa e dentro do serviço público, colaborar e agregar nesta luta”. Cleide citou que a SPU está empenhada em mapear os conflitos por meio de um Geoportal, mas enfatizou: não há avanços sem debates e pressão das comunidades. 


O Defensor Público Célio Alexandre Jones trouxe a perspectiva institucional, criticando a falta de diversidade e representatividade na Defensoria Pública da União (DPU). E propôs um “pacto” de trabalho conjunto, lembrando que a DPU só existe graças à mobilização de movimentos sociais na Constituição de 1988. A audiência pública foi encerrada com dança e alegria, ao som do Forró Pé de Serra.



Saúde, Licenciamento e um Mosaico de Soluções

O quarto dia, no Assentamento Moacyr Wanderley, foi de aprofundar debates sobre os temas saúde e justiça socioambiental. A manhã começou com o Painel “Grandes empreendimentos e impactos na saúde integral dos Povos e Comunidades Tradicionais”. Em seguida, a mesa “O Sistema Único de Saúde e seu papel na promoção da saúde dos Povos e Comunidades Tradicionais” abordaram as políticas públicas de mitigação de impactos, saúde integral e equidade.


Já o debate “Combatendo o Desmonte do Licenciamento Ambiental no Brasil: a voz dos Fóruns dos Povos e Comunidades Tradicionais” abordou o controverso o Plano Macrorregional de Gestão de Impactos Sinérgicos (chamado de Plano Macro), proposto pelo IBAMA. Marcela Cananéa, coordenadora do FCT e do OTSS, conduziu a leitura da “Carta dos Povos e Comunidades Tradicionais sobre o Plano Macro de Monitoramento Ambiental Regional da Indústria do Petróleo e Gás”, protocolada junto ao IBAMA e ao Ministério Público Federal (MPF). O documento denuncia que o Plano Macro, centralizador e tecnocrático, “não reconhece os sujeitos, instituições, processos e territórios que sustentam a dimensão socioambiental no licenciamento”. E faz uma crítica à segmentação das ações, que “empobrece a compreensão sobre os impactos da indústria de petróleo e gás e ignora as dimensões da saúde que incluem ambiente, territórios e dignidade cultural dos povos”. 

A principal exigência da carta é que o IBAMA reveja a implementação do Plano, garantindo um processo de consulta ampla, livre e informada, e reafirmando que a educação ambiental crítica, o monitoramento participativo e a governança territorializada são “conquistas históricas e inegociáveis”. Acesse a carta na íntegra, aqui.


A mesa “Mosaico de Soluções: Povos e Comunidades e suas Tecnologias Ancestrais de Defesa do Território e Promoção do Bem Viver” apresentou exemplos de resistência, autonomia e autogestão. Ariana Rosa dos Santos, moradora do Território Quilombola Brejão dos Negros (SE), declamou. E lembrou daqueles que perfuram o chão com falsas promessas: “Dizem: Isso vai gerar emprego para essa população, mas sabemos a verdade: que toda essa engrenagem vai matar esse mundão (...) Não venha poluir o meu solo…” 


O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), anfitrião do evento, celebrou a conquista das 77 mulheres quilombolas do Povoado de Alagamar, em Pirambu (SE), que organizam e gerenciam a verba captada via edital que possibilitou a criação de uma agroindústria de polpa de mangaba. No fim do quarto dia, o ‘Banquetaço’ da Cozinha das Tradições abrilhantou o jantar, embalado pelo Samba coletivo e pelo Quilombatuque. E a Plenária final celebrou a Aliança Nacional dos Povos Tradicionais Guardiões da Mata Atlântica. E consolidou a união dos fóruns dos PCTs do Brasil. 


Adriana Lima, do Fórum de PCTs do Vale do Ribeira, é do Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais e vereadora em Peruíbe (SP), sublinhou a importância de unir os povos tradicionais no Brasil. “É importante a gente construir essa unidade, entender que sozinho a gente anda bem, mas se a gente for junto, a gente vai bem mais longe”. O encontro reafirmou a importância de as comunidades se apropriarem da luta pela defesa dos povos da Mata Atlântica, disputando o território que, historicamente, tem sido usado por grandes ONGs.


O encerramento foi realizado nas ruas de Aracaju, em movimento: o Ato Público em defesa dos territórios Tradicionais teve início no Morro dos Negros, em frente ao Centro de Criatividade, e terminou na Praça General Valadão, no fim da tarde da sexta-feira, dia 24 de outubro.


O II Encontro Nacional de Fóruns dos Povos e Comunidades Tradicionais é um movimento robusto de articulação, em que cada território e comunidade —quilombolas, indígenas, pescadores, povos de matriz africana etc.-- apresenta demandas e desafios, desde a regularização fundiária paralisada até a denúncia de contaminação ambiental e especulação imobiliária. E provam que a luta pela permanência das comunidades nos territórios é essencial para a justiça socioambiental no Brasil. 

A dimensão do encontro em Sergipe reside na força da aliança nacional que luta pelos mesmos direitos em todo o território brasileiro: contra retrocessos, pela garantia dos direitos conquistados e por políticas públicas que atendam os verdadeiros guardiões da terra e da cultura.




“É importante a gente construir essa unidade, entender que sozinho a gente anda bem, mas se a gente for junto, a gente vai bem mais longe”. Adriana Lima, do Fórum de PCTs do Vale do Ribeira, do Conselho Nacional dos PCTs e vereadora em Peruíbe (SP).


“O modelo econômico que tenta subjugar a contribuição dos povos e comunidades tradicionais e dominar seus territórios o faz em função dos interesses do capital.” Iran Barbosa, vereador de Aracaju, SE 


“Dizem: Isso vai gerar emprego para essa população, mas sabemos a verdade: que toda essa engrenagem vai matar esse mundão (...) Não venha poluir o meu solo…Ariana Rosa dos Santos, do Território Quilombola Brejão dos Negros (SE)



Principais demandas e desafios 

Ao longo do II Encontro em Sergipe, diversas situações locais foram apresentadas, ilustrando a diversidade de contextos e as aplicações práticas dos temas discutidos.

Comunidade/Região

Status

Detalhes

Pontal da Barra (SE)

Demanda

Aguarda resposta da SPU sobre o processo de Termo de Autorização de Uso Sustentável (TAUS).

Zona de Expansão (Aracaju/SE)

Desafio

Conflito fundiário e impactos de um projeto de macrodrenagem, com poluição de rios e ameaças a pescadores e marisqueiras.

Mussuca (Laranjeiras/SE)

Desafio

Ameaça de uma empresa de mineração que tenta se instalar no território quilombola.

Carmópolis/Aguada (SE)

Desafio

Destruição de rios e nascentes por esgoto público e resíduos de poços de petróleo.

Alagamapá (SE)

Conquista

77 mulheres quilombolas organizaram um projeto de R$1,5 milhão via PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e estão implantando uma agroindústria de polpa de mangaba.




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Fotos: Thai | Texto: Juliana Vilas


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